Senhores, lá vem o maestro super animado:
— Agora vamos falar com o jornalista…
Eu não ouvia mais nada. Na minha cabeça, passava um filminho daqueles em que é inevitável uma hecatombe. “Tubarão”, “Incêndio Na Torre”, manjam? Minha reputação rolaria ladeira abaixo. Vai que a borboleta azul escapasse de alguma daquelas gaiolas e pousasse sobre minha cabeça bem na hora do meu depoimento. Ipiranga, Cambuci e adjacências ririam da minha cara e a boatoria comeria solta.
— Quem diria, hein, o cara da Gazeta… Ai, ai, ai…
Quando me convencia que não havia borboleta nenhuma por ali, lembrava do Salsicha. Cadê o Salsicha? E esse outro cachorrão? O está querendo que não pára de me olhar como se eu fosse uma grande peça de carne?
Alheio aos meus horrores, o maestro insistiu, uma vez:
— Então, jornalista, como vai o nosso Ipiranga?
(E eu em pane!)
Duas vezes:
— E a nossa Gazetinha?
(E eu calado, sorriso sem graça, sem graça)
Três vezes, quase perdendo a paciência:
— Quer dizer, amigo, que o jornal completa 35 anos. Que beleza!
Entreguei pra Deus.
Levantei-me, peguei o microfone que estava à mesa, e comecei a falar.
— A Gazeta é isso. O Ipiranga é aquilo. Estamos honrados em estar aqui etc etc etc. Que, modéstia a parte, sou bom nesse lero-lero.
Só voltei a mim – e ao estarrecedor mundo dos animais – quando ouvi aplausos generalizados, reforçados pelo artifício de uma gravação de palmas que os técnicos colocaram oportunamente, mas que eu achei bem merecidos. Modéstia à parte, sou bom nesse lero-lero.
O que eu disse?
Sinceramente, não guardei. Só sei que, no dia seguinte em que o programa foi ao ar, muitos vieram me parabenizar pelas belas palavras. No entanto, um número bem maior de pessoas me parabenizou por eu ser um home de fé e tão religioso.
— Como assim?, perguntei.
— A cada frase que você dizia, completava com o louvor…
Não entendi bem. E um gaiato imitou a minha fala:
— A Gazeta é isso (São Roque, São Roque, São Roque). O Ipiranga é aquilo (São Roque, São Roque, São Roque). Estamos honrados em estar aqui (São Roque, São Roque, São Roque) etc (São Roque, São Roque, São Roque) etc (São Roque, São Roque, São Roque) etc (São Roque, São Roque, São Roque)…
Nota do Autor:
É das antigas. Do tempo em que era garoto. Mas, os mais velhos ensinavam a gente a toda vez que estivéssemos com medo de algum cachorro, chamar por São Roque. Diziam que o santo tem o dom de amansar os animais, especialmente cães bravios, enxeridos ou rosnadores como aqueles dois. Eu, é que não precisava exagerar. Mas, não ficou de todo mal, não. Modéstia à parte, sou bom nesse lero-lero.
[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]