Quando cheguei à roda de amigos, o Poeta já monopolizava as atenções. Narrava em voz alta e tom professoral uma fábula que retirara das mais longevas tradições chinesas. Descrevia a história do jovem aldeão que encontrou na floresta um portentoso cavalo branco – e todos festejaram a sorte do rapaz.
Todos, menos um velho sábio que ponderou:
“Pode ser sorte, mas também pode ser azar.”
Ninguém entendeu a observação do homem. E rebateram quase em coro:
“Como assim? Alguém nesse desvalido lugar encontra um animal tão valioso, tão prestativo – e isso não é bom?”
(…)
Os dias se seguiram…
Numa certa tarde correu pela aldeia a notícia de que o jovem caíra do cavalo e quebrara a perna. Seu pai estava desesperado, pois todo o trabalho da colheita daquele ano teria que ser feito apenas e tão somente por ele (pai), senhor já alquebrado pelo tempo e pelas vicissitudes da vida.
Então, na mesma taverna em que se reuniram para comemorar a sorte do rapaz em encontrar o animal, agora lá estavam a lamentar a queda que o deixaria inválido por semanas e meses.
Neste exato momento apareceu aquele senhor que fez a ponderação. Todos logo trataram de se desculpar por, naquele dia, contestarem afoitamente suas palavras.
Foi aí que ele mais uma vez a todos surpreendeu:
“Mas, essa queda pode ser também um sinal de sorte. Acreditem. A linguagem do invisível é repleta de nuances.”
“Como assim?” – retrucou o pai do moço.
Se sentido apoiado pelos que estavam ao redor, o senhor continuou:
“Meu filho em casa, inutilizado. Eu, com tanto trabalho pela frente, ameaçado de perder parte da colheita e de meu próprio sustento e o senhor me diz que estamos com sorte. Faça-me o favor…”
“Quem viver verá.” – finalizou o sábio.
(…)
Semanas depois, sem que ninguém entendesse exatamente o motivo, um pelotão de cavaleiros da Guarda Real chegou à distante aldeia.
Veio com a finalidade de recrutar os jovens aptos para comporem as fileiras do exército em regime de urgência.
O reino estava sendo atacado por tribos inimigas e precisavam de homens saudáveis para defender as muradas do castelo.
Todos os jovens da aldeia foram levados pelo pelotão.
Todos, menos aquele que estava com a perna quebrada e sem condições de lutar.
Em prantos, o pai do rapaz maldisse a hora em que duvidou das previsões do velho sábio.
(…)
Fim da história.
Meu amigo Poeta fez questão de referendá-la ainda mais com citações de nomes de seitas e personalidades orientais que, disse ele, são fontes de inesgotável sabedoria e objetos de suas mais profundas pesquisas e detalhados estudos.
Como cheguei ao meio da falação, não estava entendendo o motivo para tamanho e tão nobre pronunciamento. O conto, eu o conhecia dos livros do Paulo Coelho, mas resolvi não entregar aos amigos que a pretensa erudição do Poeta não ia muito além das páginas de O Alquimista.
(…)
Fiquei na minha.
Mas assim que pude, chamei o amigo num canto e perguntei:
– Poeta, a troco de quê tamanha discurseira?
E ele foi bem sincero na resposta:
“Tô puto da vida que o Tite foi pra seleção e deixou o meu Corinthians na mão.”