“Posso não concordar com uma só palavra do que diz.Mas, defenderei sempre o direito de dize-la“.
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A frase é de Voltaire – e eu a conheci, lá nos anos 60, como epígrafe do programa do jornalista e apresentador Blota Júnior, um dos primeiros talk-shows da TV brasileira que a Record, em seus áureos tempos, levava ao ar toda a madrugada de sexta-feira.
Anos e anos, depois, na velha redação de piso assoalhado, convivi com o grande Nasci – e ele, olhem a coincidência, nos contou – a mim e a outros jovens repórteres – que foi produtor do programa e também de outra atração da Record, apresentada por Sônia Ribeiro, esposa do Blota, que se chamava “Sábado Com Você”.
– Era uma espécie de “Clube dos Artistas”, que fazia tanto sucesso na Tupi, com Airton e Lolita Rodrigues.
Outra do Nasci: o então jovem Jô Soares, sempre muito inteligente, trabalhou um tempo como um dos repórteres da equipe.
– Ele veio da equipe do Silveira Sampaio Show, que precedeu o programa do Blota, no início dos anos 60. Mas, logo enveredou por outras atrações da Casa e fez uma carreira brilhante em diversas funções. Além de atuar como humorista, o Jô sempre escreveu muito bem. Foi roteirista, inclusive, da Família Trapo ao lado de Carlos Alberto de Nóbrega.
Lembro as conversas do Nasci nessa manhã instável de domingo – céu cinzento, ameaça de chuva – após a leitura diária dos jornais. O mundo anda muito controverso – e intolerante. Fácil apontar culpados para isso, aquilo e aquil’outro. Fácil indicar caminhos e soluções quando se está equidistante do problema. Difícil mesmo é abrirmos mão de algo em prol de uma certa harmonia, do tão almejado bem comum.
Li no recente livro do Umberto Eco que hoje qualquer boçal tem o direito de falar e propagar sua opinião, assim como o vencedor de Prêmio Nobel.
A internet mudou o mundo.
Para melhor? Para pior? Não sei. Mais prafrentemente a gente vê. Ou não?
Hoje no meio da muvuca, da transição, impossível qualquer avaliação.
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Lembro o dia em que tomei coragem – e perguntei sobre a origem da frase ao Nascimento.
– Foi ideia do próprio Blota, ele me respondeu. – Vivíamos um momento tenso da ditadura. E o Blota, culto e inteligente como sempre foi, não compactuava com aquela situação.
As baforadas no cachimbo encheu a sala de um perfume achocolatado – marca indelével do fumo que o Nasci consumia (naquele tempo era permitido fumar nem ambientes fechados e as redações viviam sob constante neblina). Fez o silêncio por alguns instantes. Até que o Nasci retomasse a palavra, e concluísse:
– Essa frase é eterna. Se mais pessoas a adotassem, seríamos todos mais felizes.
(Mais atual, impossível.)