Foto: Arquivo Pessoal
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São raras as lembranças que guardo de Verona onde estive… e lá se vão quase 20 anos.
Duas são as mais presentes – e por óbvio motivo.
Diria que estão solenemente em exibição no apartamento onde moro.
A primeira é o pôster, devidamente emoldurado e pendurado na parede da sala, com a imagem da Madonna Della Quaglia, retratada por Pisanello, uma réplica da tela famosa que vimos no Museu Castelvecchio na visita que então fizemos e não me lembro chongas.
A outra é a foto que está num porta-retrato. De autoria do amigo Wilson Luque e que ilustra o Blog hoje, a secular Arena de Verona. Faço figuração na cena por minha desavisada conta. Era inverno, fazia frio e eu (já entrado nos 40 quase 50) estava devidamente encapotado com um sobretudo do tempo do Arsene Lupin, o célebre personagem da literatura francesa que, registre-se, nada tem a ver com a cidade de Romeu e Julieta, com a Itália, mas talvez apareça na sequência da nossa historieta de hoje.
Portanto, amigos, não há como esquecê-las, mesmo que o turista distraído aqui não tenha dado a devida e merecida atenção aos encantos da renomada Verona, ponto obrigatório de visita a quem viaja pelo Norte da Itália.
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Explico aquela estada.
Eu, os meus, o Wilson e os deles estávamos em andanças pela Velha Bota num fim de ano que se perdeu no tempo.
Passamos dois ou três dias ali.
Ainda que tenha uma vaga lembrança da murada que margeia o rio Adige (confiram no Google, ok!) onde se vislumbra um belíssimo cenário, gostaria de avivar, com mais clareza minha memória, daquela jornada.
Leio que “um clima romântico espalha-se por todas as vilas e ruas”.
E mais:
A suposta e ilustre casa de Julieta Capuleto (a trágica heroína do romance de Shakespeare), o centro histórico, a atmosfera de mistério, as atrações todas que fazem Verona ser reconhecida como Patrimônio Histórico da Humanidade – pois bem, essas preciosidades todas se apagaram da minha mente.
Infelizmente, eu lhes digo.
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Dou-lhes o motivo de lhes fazer este preâmbulo.
Abriu uma lojinha de cacarecos na avenida, perto de casa.
Estava passando por ali, dia desses, e resolvi entrar para xeretar a novidade.
É uma lojinha com ares descolados que mistura um tanto de brechó, outro tanto de antiguidades e muita quinquilharia.
Estava por ali na bisbilhotice plena e desinteressada quando me chama atenção uma pequena gravura da dita Madona della Quaglia citada.
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Me interessou. Era menor e melhor elaborada que a que tenho em casa.
Pensei comigo: essa, sim, é uma réplica, a minha é apenas um cartaz.
Coloquei os óculos para ver melhor – e aproveitei para ler a placa com a descrição sob a imagem:
“A Madona da Codorna é uma pintura gótica internacional geralmente atribuída a Pisanello. Data de 1420. Era parte do acervo do Museu Castelvecchio de Verona, norte da Itália, até ser roubada em 2015.”
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Quaglia ou Codorna?
Como assim, atribuída a Pisanello?
Roubada em 2015?
(No ato me senti em um dos episódios da divertida série sobre Lupin, o Ladrão de Casaca, que a Netflix exibe, embora nas três temporadas que vi, o personagem redivivo só use capotões longos a arrastar as barras pelo nobre chão das ruas parisienses.)
Será que…
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Devo ter feito tamanha cara de espanto – ou coisa que o valha, pois não é que o gentil Felipo, o atendente e possível dono do negócio, veio em meu socorro e, tal um mago das artes, decifrou os enigmas.
A saber:
Quaglia quer dizer codorna em italiano. E há uma codorna em primeiro plano da obra.
As vestes da Madonna têm traços da pintura característica de outro artista, de nome Gentile Fabriano. Sabe-se que, à época, Pisanello reunia em seu ateliê diversos outros pintores. Daí, a dúvida.
A tela foi roubada, sim, numa ação espetaculosa, cinematográfica, mas… um ano depois, em 2016, foi recuperada e voltou para Castelvelcchio.
“Só não sei se está à disposição das visitas públicas. Sabe como são essas coisas, não?”
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Sinceramente, não sabia, não fazia ideia.
Viajei sem sair da minha cidade.
Mesmo assim, fui para o meu sacrossanto café na padaria, dando asas à imaginação de, um dia, quem sabe?, voltar a Verona e conferir tudo direitinho… Desta feita, porém, desejaria ir no verão para não levar o casaco do Lupin que, depois de muito uso, aposentei.
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TRILHA SONORA
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