"Pior que chegar ao fundo-do-poço, é encontrar argentinos lá embaixo" (Macaco Simão)
01. Em encontro realizado em Brasília nesta semana, o presidente Fernando Henrique Cardoso fez pronunciamento aos chefes-de-estado dos países de língua portuguesa e… E só. Confesso ao amigo que me acompanha semanalmente neste espaço de desabafos e confidências: não fui além dessas parcas linhas no noticiário de ontem sobre o assunto. Sei que em sua fala o presidente, seguramente, foi brilhante ou, no mínimo, convincente. Aliás, como de hábito. Só que o rebrilhar de suas frases raramente batem com a atitude do presidente que chega melancolicamente ao final do segundo mandato e, passivamente, vê o País rolar incontrolável a ladeira da ingovernabilidade.
02. Ingovernabilidade, sim. Ingovernabilidade que se expressa na convulsiva alta do dólar (50 por cento, só neste ano) e põe em risco as únicas bandeiras de FHC em oito anos de mandato: a estabilidade monetária e o fim da inflação. A bem da verdade, o brasileiro sabe bem o quanto lhe custou essas conquistas. Foi geral a quebradeira das pequenas e médias empresas. O desemprego aumentou — ter carteira assinada hoje é um privilégio de poucos. A reforma tributária foi postergada exatamente para que o Governo (nas três esferas, diga-se: municipal, estadual e federal) pudesse nos acharcar à vontade com cobranças de taxas, impostos, multas, pedágios e o que mais passasse pela cabeça de um tecnocrata. A solução de todos os problemas — desde os radares escondidos nas ruas e avenidas à cobrança do CPMF — foi sempre a mesma: vamos enfiar a mão no bolso do contribuinte.
03. Em troca recebemos belíssimos discursos, especialmente aqueles feitos em tribunas de projeção internacional. Toda vez que alguém lembrava que seria melhor, bem melhor, investimentos nas áreas de saúde, moradia, educação, emprego e segurança, a resposta foi contundente. São uns fracassomaníacos. É certo que esses índices que medem a qualidade de vida têm hoje no País números equivalentes aos piores países africanos. Nossa miséria hoje tem níveis quarto-mundistas e são sombrias as perspectivas de futuro. Mas, certamente, o discurso de quarta-feira foi repleto de achados sociológicos e ponderações sobre a conjuntura internacional.
04. Há quem preveja para setembro a quebradeira generalizada, com avanço da inflação (que já existe, mas ainda não escancarou suas garras) e da recessão. Há ainda quem, em Brasília, apresentasse ao próprio FHC a proposta de antecipar o fim de seu mandato — como fez o presidente Alfonsín em 1989 na Argentina — para evitar que esse período de incerteza e letargia se prolongue até janeiro. Trata-se de uma medida extrema que nos remete a um passado de exceções institucionais. No entanto, só o fato de alguém citá-la já demonstra a quantas anda o País. Como se vê, só discurso não enche barriga.
05. Essa coisa de o que se diz e o que realmente se faz me lembrou uma história ocorrida com o saudoso Adoniran Barbosa. Assim que o compositor de Trem das Onze foi redescoberto nos idos dos anos 70/80 pelas novas gerações, um político ou uma autoridade qualquer quis lhe render uma justa homenagem. Para tanto, mandou confeccionar um busto em bronze que em dia, hora e local seria inaugurado com pompas e circunstâncias. Adoniran foi convidado para a cerimônia, com todas as regalias que merece um homenageado. Os organizadores se surpreenderam quando, em meio ao falatório, foi dada a palavra ao compositor que foi simples e objetivo: tá tudo muito bonito. Mas, eu preferia a minha parte em dinheiro.
06.Tal e qual o povo brasileiro. Nesses quase oito anos de mandato, dispensaríamos o palavrório em troca de atitudes verdadeiramente sociais.