Foto: Walter Silva
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É uma conversa que ouço desde os tempos da velha redação de piso assoalhado.
Sobre o povo e a pátria.
Era, então, um jovem repórter do baixo clero, mas ficava de ouvidos atentos às discussões entre os veteranos Marques, Zé Jofre e Nasci.
Um pelo outro, todos nossos mestres.
II.
Marcão e Jofre, de origem revolucionária. Nasci, diria, o mais conciliador.
De centro-centro-esquerda, talvez.
Assim, comentávamos, o Nasci era, quase sempre, muito “centrado”.
– A virtude está no centro.
Entre uma cachimbada e outra, enevoava a sala, e se dizia “um reformista, defensor do equilíbrio entre as partes e democrata, de carteirinha”.
– Qualquer coisa é melhor que o conflito, o embate, os extremismos.
(Quero lembrar ao distinto leitor que jornadeávamos ali pelos anos 70, ok? Não se assustem com a formalidade da conversa que tento realinhar de memória, com o se fosse um resumão.)
Marques fazia o contraponto:
– Não há mudança sem ruptura.
Jofre chutaria a balde se balde houvesse:
– Quem está no poder, seja quem for, nunca vai abrir mão dos privilégios. Acreditar em algum ajuste é pregar no deserto.
– Não é bem assim, dizia o Nasci.
– Não radicaliza, Zé – dizia o Marques.
– Não se iludam – e, por favor, não me iludam – reforçava o Zé.
E concluía, com o mote de maior sucesso entre nós, a reportada, os espectadores:
– É como dizem na minha terra: patrão bom nasce morto! No âmago de tudo está a luta de classes. Enquanto houver patrão, dono, amo e senhor, quem está por baixo tem mais que se indignar e ir a luta.
III.
Nasci:
– Se não há patrões não há empregos. Se não há governo haverá o desgoverno.
Marques punha a pimenta:
– Se não houvesse explorador não haveria explorados. Desde que o mundo é mundo você precisa saber de que lado está.
Jofre radicalizava:
– Se continuarmos nessa conversa pra boi dormir, e nada for feito, não haverá qualquer mudança. Nunca!
Resumo da ópera, ainda no entender do saudoso Zé Jofre:
– É a velha – e inescapável – luta de classes.
O Marcão gostava de lembrar a manchete do jornal do Partido Comunista na manhã seguinte ao suicídio de Getúlio Vargas:
“Que o Povo saia às ruas e tome para si o destino da Pátria”.
IV.
Lembro saudoso, nesta manhã cinzenta, os amigos e o compromisso que tinha de escrever minha coluna semanal todas as quintas (fiz isso por vinte e tantos anos). O jornal circulava logo cedo na sexta-feira.
Lembro e desatino a me perguntar:
Onde anda nossa gente, nosso povo e o compromisso da construção de um Brasil verdadeiramente de todos os brasileiros?
Será que existe uma Pátria (grafava-se em caixa-alta antigamente – e agora?) que se propõe justa, igualitária, contemporânea?
Ou nos estilhaçamos enquanto Nação e ficamos reféns da idiotia de um canastrão como ministro da Educação e seus pares de (des)governo?
Que a tempestade os leve daqui…
O que você acha?