Ávila é uma doce e esmaecida lembrança.
Quando comecei a série de relatos de viagens, tive – e tenho – como objetivo trazê-los comigo a rememorar essa minha caminhada ao lado de entes queridos e familiares. Como se todos, nós e os amigos leitores, estivéssemos no mesmo grupo. Ali e agora.
Não sei se me entendem…
Pois é… Fantasioso, não?
Mas, foi o que pensei.
Tempos outros, meus caros.
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Os dias foram se passando, as várias escalas aqui registradas e hoje enfrento um dilema:
O que lhes escrever sobre Ávila?
Explico.
A sensação de proximidade que tive com a preciosa Ávila (que me cativou desde o primeiro instante, com a imponente muralha de 2,5 quilômetros de extensão e 80 torres, todas cuidadosamente preservadas) já não me é tão nítida quanto desejaria. Foi se apagando – e agora, quando a tenho como tema, me parece distante, fugidia, algo perdida.
Só uma tênue lembrança.
Tênue e magnífica lembrança! Salva pelas fotos que revejo e, tacitamente, recompõem os resquícios dos dias que ali passei.
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Ávila também se inclui como Patrimônio Histórico da Humanidade. Por suas torres, pelas nove Portas que dão acesso à cidade histórica, por várias igrejas de santos distintos que lhe garantem uma aura de fé e religiosidade.
Sentimento e crença que têm como ponto máximo o culto à Santa Teresa de Jesus, fundadora da Ordem das Carmelitas, natural da cidade e ali dá início à obra evangelizadora e de resistência à Reforma.
Escreveu ensaios em que dissertou sobre catolicismo e a chamada Contra-Reforma (1517).
Por isso ficou mundialmente conhecida como Santa Teresa de Ávila, a Doutora da Igreja.
Teresa era uma incentivadora da vida contemplativa na busca de nos fazermos melhores. Ou seja, propunha a reclusão, o silêncio e a reflexão para nos aproximarmos do caminho do Divino.
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Enfim…
O que lhes trago hoje de mais latente da estada em Ávila é outra sensação: a de que somos, cada um de nós, a celebração do milagre da vida.
Diria algo muito próximo ao que senti em Assis ou mesmo em Fátima e Lourdes.
Com a diferença de que, naquelas ocasiões, a graça se dava nos atos de Francisco ou nas milagrosas aparições de Nossa Senhora.
Em Ávila, a lembrança nos pede que sejamos os protagonistas – e, portanto, responsáveis – pelo passo e pelo caminho de cada um de nós e de todos.
Algo me diz que os Céus e esses tempos nublados nos cobram por isso.
Aguardam, temerosos, nossa profissão de fé e fraternidade. Individual e, obviamente, coletiva.
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Curioso que, enquanto andávamos pelas ruas da cidade, não me ocorreu nada do que hoje lhes digo.
Me sentia feliz, apenas. Muito feliz… Próximo àquelas crianças que vi brincar por lá no playground improvisado no estacionamento de uma lanchonete Made in Usa como, desconfio, elas brincariam fosse onde fosse, em qualquer parte do nosso agastado planeta. Esses que, ainda saltitam em minha memória, vestem capotes coloridos, usam gorros e luvas e envolvem-se em risos e cachecóis de lã.
O frio de zero grau em nada os aborrece nesse fim de tarde que se perdeu no mais antigo dos anos. Estão entretidos e encantados, talvez a vivenciar a proximidade natural que as crianças têm para com o Dom e o Divino.
E que tristemente – nós, adultos – acabamos por perder com o passar dos anos.
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