Foto: Leila Cunha
…
Ela só queria ver o mar. Desejo natural de uma moça naturalmente bonita e, diria, descolada.
Me disse – sem que eu perguntasse – que andou se sentindo aborrecida, sufocada, pelo implacável dia a dia da cidade grande e, a seu modo, desconfiou que o remédio era ver o mar.
– Meu nome é Dandara.
II.
Achei o nome bonito, diferente. Nome de guerreira.
Nada disse. Apenas deixei que continuasse a apresentação.
Intui que ela queria desabafar ou, minimamente, alguém que lhe ouvisse.
Bingo!
III.
Dandara é paulistana, tem pouco mais que 30 (embora não pareça) e trabalha com Comunicação Empresarial.
Conta que não tem tanta afinidade assim com o mar, a areia, a praia.
Lembra que quando criança e adolescente passava férias regulares em Guaiúba, uma praia não muito longe daqui.
Chegou até a namorar um surfista tiposo que fazia um sucesso danado com as outras meninas. Ela tinha um baita ciúmes, mas deu em nada.
O rapagão despencou para a Austrália – e nunca mais soube dele.
Era pouco mais que uma menina,então.
O primeiro amor que não se esquece, ela, porém, jura: esqueceu!
Hoje considera engraçado todo aquele vão sofrimento.
-Acho que nunca mais fui a mesma. Ninguém é depois de uma traulitada dessas. Não é assim?
IV.
Minha resposta é seca.
“Sei nada de surfistas, menina; menos ainda de amores praieiros.”
-Ainda mais hoje que meu time perdeu a liderança do campeonato para o Santos.
Dandara ri da minha observação nada a ver e, penso, que se diverte também com a recordação que agora o mar lhe traz.
– Não tem nada a ver essa história. Faz tanto tempo. Tantas coisas aconteceram…
E exclama:
– Meu Deus!
V.
Tem um jeito maroto ao dizer a expressão.
Aprontou tantas e tamanhas, penso.
Me intrigam os mistérios da desconhecida que agora divide comigo o banco do calçadão da praia semideserta nesta manhã de segunda-feira levemente ensolarada.
Tenho a sincera impressão que fala comigo, mas o teor da conversa é acertar as contas com ela mesmo.
VI.
Semana passada, ou antes até, bateu uma angústia inexplicável.
Tudo tão no lugar na própria existência que Dandara estranhou o desconsolo.
Sentia-se pesada, pouco produtiva, sem a leveza e o sorriso que lhe são costumeiros..
– O Brasil anda tão tenso, só temos notícias ruins – arrisco dizer.
– Que acho que todos nos sentimos assim…
VII.
Não ouviu o que eu disse.
Ou convenientemente fez que não ouviu.
Continuou a olhar fixamente para o mar.
Diz que pediu um dia de folga para a chefia – “no fim de semana tinha o casamento de uma amiga para ir” – e hoje acordou decidida e veio cedo de São Paulo para cá.
Ela própria fez o diagnóstico para santa cura:
– Preciso ver o mar. A vastidão do mar sem fim nos dá a exata dimensão de quem se é.
VIII.
Agora estamos aqui.
Em silêncio.
Olhos fixos na linha do horizonte.
Continuo sem qualquer certeza. Mas gosto da sua delicada companhia.
Lembro a música do Ivan Lins, e comparo o desalento na idade em que estou ao dela com tanta vida pela frente.
Não a conheço.
Sei apenas o nome bonito que tem, alguns estilhaços da sua história que acaba de me contar, mas concluo que é uma pessoa sensível e merece ser feliz.
O que você acha?