Foto: Arquivo Pessoal
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A moça caminha pela praia.
Caminha lenta e suavemente em zigue-zague, pertinho, pertinho das ondas que, cativas e humildes, quando muito lhe roçam os pés.
Parece-me feliz a jovem senhora.
Vai um tanto desgarrada do pequeno grupo de adultos e crianças que, creio, lhe faz companhia.
Há um vozerio entre eles, mas a moça me parece alheia a tudo e a todos.
Caminha enleada, creio, nos próprios e efêmeros pensamentos.
Desconfio que prefere estar sozinha diante da vastidão do mar que a inspira.
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De início, a cena chamou atenção porque, reparei logo, a figura não está em trajes de banho.
Veste roupa comum ao dia a dia, usa saia e blusa e leva, em uma das mãos um par de sandálias, que, em dado momento, torna-se absolutamente dispensável.
Tanto que, uns passos a mais, atira os calçados à areia num gesto, digamos, de indiferença e algo teatral.
A moça diante do infinito azul do mar num dia de sol ameno.
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Sente-se leve, feliz, creio.
Ensaia agora, por instantes, uma saudação ao jogar os braços abertos aos céus.
A invocar uma bênção.
A agradecer o momento único, e pleno.
Concluo daqui, do meu distante posto de observação, que está em comunhão com a Mãe Natureza e o Divino.
São momentos assim que vale toda uma existência.
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Registrei essas linhas num pequeno bloco de viagem.
Faz algum muito tempo.
Eu pensava em incluí-las para descrever uma das personagens do conto A Cor da Vida.
Conto que, aliás, abriu a coletânea “A Cor da Vida e outros contos ligeiramente românticos” que publiquei em 2022.
Acho que mudei o rumo da história.
Outros personagens lhe tomaram o protagonismo da cena.
E minhas anotações, a moça e o mar não saíram do papel.
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Não soube lhes dar continuidade, na ocasião, é provável.
Também não sei agora.
Pergunto-me, porém:
Será que ainda existe aula de Descrição na disciplina de Língua Portuguesa no ensino fundamental?
Quem lembrança?
A pedido da professora, tínhamos que descrever em tom narrativo, detalhe por detalhe, o que víamos na imagem que a Dona Izabel com z nos apresentava. Ela apoiava o grande caderno, do tamanho de um cartaz, num cavalete, virava as páginas aleatoriamente e se decidia por uma estampa.
“Escrevam”, dizia.
“Criem uma história a partir do que estão vendo no quadro.”
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Era um belo desafio!
Hoje, tantos e tantos anos depois, cabe-me apenas saudar o reencontro da crônica e as remotas lembranças do Grupo Escolar Oscar Thompson, no Cambuci. Recorro, então, ao poemeto de Mário Quintana e, como a moça embevecida diante do mar, abro os braços a reverenciar as coisas simples, sensatas e sinceras:
A felicidade é um sentimento simples.
Você pode encontrá-la e
deixá-la ir embora
por não perceber
a sua simplicidade.
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Bom fim de semana, gente!
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O que você acha?