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A noitada (2)

Às vezes, penso que não aconteceu nada do que aconteceu ali naquele fim de noite de sexta e início da madrugada de sábado. Foi surreal. Tenho a impressão de que posso ter inventado; mas não inventei, não.

Aconteceu.

Vou tentar descrever o cenário.

O enorme salão do tradicional restaurante vazio e às escuras. Ou melhor, quase vazio e quase às escuras. Só havia iluminação em dois pontos. À esquerda de quem entrasse ali àquela hora, veria uma fileira de garçons junto ao balcão e o caixa, contrariados, aflitos e silenciosos. Ao fundo, quebrava a penumbra a luz sobre a mesa onde se encontravam meia-dúzia de ‘gatos pingados’. Eu, inclusive.

O pessoal da Casa já havia tentado para abreviar nossa estadia por ali. Em outras palavras, os senhores ali queriam mesmo era nos expulsar e fechar o recinto. Tiraram as toalhas das mesas, subiram as cadeiras, andaram em rodopios retirando os pratos da nossa mesa; os copos, não, pois não os largávamos.

Chegaram a dizer – golpe baixo – que o chopp havia acabado.

— Que venha cerveja, então, saudou o Nasci.

Vieram duas garrafas prontamente sorvidas e aí – outro golpe baixo – passaram a nos servir cerveja quente. O que, diga-se, só aumentou a ira do Nasci que, à essa hora, discorria sobre os filmes do Truffaut que ele nunca assistiu.

Não tínhamos noção das horas. Nos divertíamos – e ponto.

Lá pelas tantas apareceu um senhor de expressão amarfanhada, como se o tivessem tirado da cama. Tinha cara de poucos amigos e já entrou bronqueando com os funcionários. Alguém dali havia ligado para o tal, o dono do restaurante, e agora ouvia o sermão. Aliás, todos ouviam.

Não vou lembrar as palavras, mas o teor me é inesquecível. Não queria o estabelecimento aberto até àquela hora. Já havia avisado. Questão de segurança. Se desse algum problema, mandaria todos embora por justa causa. Ainda porque não conseguiam se livrar “de um bando de bêbados”.

Indignado com as palavras do homem, que sei lá como ouviu mesmo etilicamente nas alturas, Nasci levantou-se e, no mesmo tom, vociferou:

— Garçom, a conta! Vamos embora, essa espelunca não é digna da nossa presença.

Saímos temerosos.

O que deu no Nasci?

Para onde foi o proverbial bom-humor?

— Para o Bixiga, meus caros. Vamos para o Bixiga, lá os bares nunca fecham.

O bom-humor estava ali. Nós é que estávamos sem rumo…

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]