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A perseguição

Diziam coisas da dona Antoninha lá na rua onde eu morava.

Anos 50/60.

Vamos atualizar a cena para que todos entendam.

Ela era uma espécie de Norminha, a dona-de-casa que Dira Paes interpreta, apimenta e embala, ao som do forró do grupo Calcinha Preta (“Você não vale nada, mas eu gosto de você”), as emoções mornas da novela Caminho das Índias.

Pois então…

Nós éramos garotos que viviam na rua jogando bola na calçada em frente à casa onde ela e a família moravam. Também empinávamos pipa, andávamos de carrinho de rolimã, nos desafiávamos para partidas de futebol de botão e arregalávamos os olhos sempre que dona Antoninha passava…

E todos os dias ela passava, perfumada, passo rápido e olhar cabisbaixo.

Diziam coisas da dona Antoninha – e o resto ficava por conta da nossa prodigiosa imaginação infanto-juvenil.

Uma tarde, não lembro se foi o Nestor ou Felisberto, um dos dois deu a idéia de seguirmos a jovem e bela senhora para descobrirmos os mistérios que a comprometiam com todo aquele falatório.

Armamos a turma para no dia seguinte dar o tal flagrante.

Ficamos a postos. Assim que ela saiu de casa, paramos com o futebol, demos um tempinho e fomos atrás. Ela seguiu pela rua Muniz de Souza até a rua Ubá – e nós só na captura. Na rua Miguel Telles Júnior (antiga Piai) virou à esquerda e continuou em direção à escadaria que ainda hoje dá acesso à rua Lacerda Franco. Nós, a razoáveis 20 ou 30 metros de distância, em silêncio, sentíamos o coração trôpego, descompassado.

Até parecia que nós éramos o marido traído.

A moça prosseguiu pela Lacerda Franco em direção à rua do Lavapés.

Deixamos a distância aumentar para não dar bandeira – já que a rua é uma reta só.

Era agora ou nunca. Ela não escaparia, estava na mira.

Tão na mira que a vimos abrir a bolsa, retirar uma espécie de lenço de seda, cobrir a cabeça e entrar na igreja da paróquia Nossa Senhora da Glória.

Paramos onde estávamos.

Ninguém disse uma palavra.

Demos meia volta e começamos a andar de volta, com cara de patetas e decepcionados.

Ainda estávamos na Lacerda Franco quando ouvimos o ronco do motor de um Chevrolet Belair que saía da ruazinha atrás da igreja. Tomamos um susto e o coração voltou a disparar.

Em vão…

Por mais que apurássemos o olhar, não conseguimos distinguir quem eram os dois vultos que estavam dentro do carro que passou por nós, como um bólido, e desapareceu ao virar a primeira esquina.

* FOTO no Blog: Jô Rabelo

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