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A primeira reportagem

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A primeira reportagem, a gente nunca esquece.

Esquece?

Olaiá.

Eu esqueci.

Só lembrei dia desses, quando dei uma arrumação geral, aqui, no meu canto da bagunça. Encontro colado em uma folha sulfite esmaecida pelo tempo o recorte da minha primeira matéria publicada. Foi em abril/maio de 1974, no Boletim da Agência Universitária de Notícias (AUN), da Escola de Comunicações e Artes da USP, onde estudei.

Olhem a pretensão do rapaz, caros leitores,

Aceitei a pauta sobre o experimento nuclear na Índia, com a explosão de uma bomba atômica numa região deserta, próxima à fronteira com o Paquistão.

É mole ou precisa mexer?

Se bem me recordo agora, cheguei atrasado à aula do professor Paulo Roberto Leandro que distribuía os exercícios de texto para os estudantes, com pautas sobre os acontecimentos da semana, que repercutiam na Cidade Universitária.

A pauta que ninguém quis, sobrou pra mim.

Sugestão: “entrevistar o professor José Goldemberg, diretor do Instituto de Física da USP, sobre o referido tema”.

É pegar ou ficar sem nota?

E, bisonhamente, lá fui eu…

O resultado, transcrevo abaixo a título de curiosidade e (suposto) registro documental.

Há quem diga que exatamente neste momento eu deveria ter desistido da carreira. Mas, o saudoso professor Paulo Roberto, generoso que só, aprovou o texto com as devidas correções e o publicou – e eu, teimoso, segui em frente.

Leiam!

(Se tiverem tempo e coragem)

Brasil, futura nação atômica?

A surpreendente explosão nuclear indiana, com objetivos “pacíficos”, no deserto de Thar, próximo à fronteira do Paquistão, seu ex-inimigo, ressoou no mundo inteiro como uma afirmação da Índia, como uma nação desenvolvida. Pois com isso ela é o novo membro do Clube Atômico ao lado de Estados Unidos, União Soviética, França, Inglaterra e China.

Falando sobre as consequências da recente experiência, o professor José Goldemberg, titular do Departamento de Física da USP é de opinião que:

– A experiência indiana pode encorajar os países do Terceiro Mundo a seguirem os mesmos passos. Israel, Argentina, Paquistão poderão ser os mais novos sócios do Clube Atômico. É um desenvolvimento lamentável, mas difícil de se impedir.

O Stockolm Internacional Peace Research Institute, em seu estudo de 1972, considera que o Brasil será um dos 15 países que, proximamente, passarão o status de nação nuclear.

– Mas, o Brasil não tem condição de construir armas nucleares – afirma o professor Goldemberg.  – Pois usa o urânio enriquecido que é importado e sujeito aos controles internacionais que impedem a transformação em plutônio, indispensável para as armas nucleares.

Do mesmo modo que a Índia, a China e a França, o Brasil não ratificou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, mas está sob a fiscalização da Associação Internacional de Energia Atômica que limita e impede o armazenamento do plutônio com fins bélicos.

OS REATORES

E A PESQUISA

Na opinião do professor, as pesquisas em Física e Química nucleares, desenvolvidas nas principais universidades brasileiras, alcançam resultados expressivos. O embasamento científico compensa as experiências com reatores caros e difíceis, que ainda necessitam de um programa mais efetivo e de maiores dimensões.

Um Centro Nuclear em funcionamento ainda não existe no Brasil. A cidade de Angra dos Reis será, em 1977, a sede do primeiro reator que obterá a produção de energia elétrica que já está sendo construído e montado. Outro está previsto para 1982 no mesmo local.

O Brasil conta atualmente com três reatores de pesquisa, de menor potência. O maior deles encontra-se no campus da USP, no Instituto de Energia Atômica.

MUITAS

UTILIZAÇÕES

A energia atômica não deve ser confundida unicamente com a finalidade de criação de armas nucleares. E também não só com o seu controle para obtenção de energia elétrica. Tem outras funções que as pesquisas conseguiram determinar na Medicina para tratamento de tumores (cobalto-terapia) e diagnósticos. O Hospital das Clínicas da USP é um dos que usam este método especialmente no campo da cancerologia.

Na Agricultura, a sua utilização no tratamento da terra já é estudada em Piracicaba pelo Centro de Estudos Nucleares de Agricultura. Além da indústria, quando é utilizada no campo da qualidade da radiografia industrial, apesar de ser pouco explorada no Brasil.

A energia nuclear como propulsão para navios já é utilizada há algum tempo em substituição aos tradicionais motores diesel. Três países – os Estados Unidos, União Soviética e Grã-Bretanha – possuem navios que usam reatores no lugar dos motores. Os Estados Unidos projetaram um navio mercante – o Savannah – que utilizou este tipo de propulsão, mas os resultados não foram esperados.

– Hoje, cerca de 10 anos após o lançamento, o Savannah demonstra ser uma experiência completamente anti-econômica – diz o professor José Goldemberg.

Para o professor Célio, de Tecnologia da Construção Naval da Escola Politécnica da USP, esses navios justificam-se apenas para fins bélicos e não oferecem uma segurança comprovada.

– A autonomia que propiciam às viagens marítimas é enorme quando comparada com os motores diesel. O submarino Nautilus conseguiu fazer uma circunavegação inteiro, sempre submerso, sem necessitar reabastecimento em nenhum porto e sem mesmo subir à tona para completar o estoque de ar, indispensável para abstecer os motores à explosão.  Mas, o custo é muitas vezes superior, o que somente possibilita o uso pelas maiores potências e, mesmo assim, como vasos de guerra.

DÉFICIT

ENERGÉTICO

A capacidade instalada do potencial hidroelétrico do Brasil é 15 milhões de quilowatts. A construção da Usina de Itaipu dobrará esta potência. Angra dos Reis, com seus reatores, e o total hidroelétrico serão suficientes para abastecer, principalmente a região centro-sul do país. Mas, a partir desta data, deveriam ser instalados de 10 a 20 reatores nucleares que deverão produzir aproximadamente 10 milhões de kW.

Há o risco de um déficit energético.

Para o professor Goldemberg, o Brasil deve agir rapidamente para evitar que isto ocorra:

– Mesmo assim, a energia produzida em Angra dos Reis será insuficiente. Os recursos hidroelétricos da região centro-sul estarão com a capacidade máxima de aproveitamento já em 1982. Não haverá outra possibilidade de se obter energia, a não ser por meio de reatores nucleares. A questão em debate é a compra é a compra desses reatores no Exterior ou se devemos encorajar a indústria nacional a participar de seu projeto e construção.

Um presente para mim, neste 4 de dezembro.

Foto 1 – Jô Rabelo
Fotos 2  e 3 – arquivo pessoal

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