Pode ter sido em uma segunda-feira preguicenta e ensolarada como hoje é.
A senhora de feições austeras chegou indignada à velha redação de piso assoalhado e grandes janelas para a rua Bom Pastor. Era “uma pouca vergonha” o que acontecia bem debaixo de seu nariz, no quarteirão onde morava há tantos e tantos anos, desde mil novecentos e lá vão tampinhas.
Baixou a voz para dar a causa de tanto descalabro.
Inauguraram um motel por aquelas bandas (bandas, eu disse) – e agora ela, a família e toda a vizinhança, de hábitos e costumes provincianos, se viam obrigados a conviver com aquele despudorado entra-e-sai (entra-e-sai de automóveis, eu disse).
Vale registrar: o pessoal da redação não era o último bastião da moralidade e das virtudes. Tínhamos, jovens e inconseqüentes repórteres que éramos, nossos pecadilhos, mas, cientes de nosso dever, resolvemos atender à distinta senhorinha.
E lá se foram, a repórter e o fotógrafo para registrar “a bagunça generalizada”, “o verdadeiro atentado ao pudor”, que se estabelecera depois que o tal motel ali se instalou.
Andaram e rodaram pelo Moinho Velho – e nada constataram.
De fato, ali existia um motel, mas de discrição ímpar e movimento incipiente.
Nada que causasse qualquer desordem pública.
Ciente de seus deveres, a dupla resolveu bater à porta da casa da senhora reclamante e melhor apurar o caso.
Ela os atendeu atenciosa e solícita. Mas, contundente em seus propósitos. Queria o fechar ‘aquele templo de luxúria”.
Sequer se abalou diante do relato insosso dos repórteres. Contra-argumentou que provaria como as coisas aconteciam.
Ato contínuo, levou-os até o quintal da casa, empurrou uma escada para junto do muro e ordenou:
– Agora subam até o último degrau, estiquem o pescoço e vejam se não tenho razão.