“Estranho animal, o escriba, que não lhe basta ver, sentir… mas é preciso escrever isso tudo e outras coisas, para só intensamente viver. Daí, o seu ar de sobrevivente.”
Fiz uma descoberta importante. Quero dividir com vocês. O autor da frase é o primeiro – e até hoje, o melhor – blogueiro da língua portuguesa. Não conheço ninguém mais ágil, sutil e divertidamente conclusivo ao esgrimir letrinhas. Outra dele:
“O tempo é o ponto de vista do relógio”.
Sei, sei, alguém pode lembrar – e mesmo preferir – outros nomes Mas, como o autor gaúcho Mário Quintana, decididamente não há. Mais uma, só para ilustrar:
“Se eu acredito em Deus? Que valor pode ter a minha resposta, afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim.”
Quintana morreu em maio de 1994, aos 88 anos, sem nunca ter ouvido falar nessa tal de blogosfera – seja lá o que isso quer dizer. Deixou um belo legado literário. Mais importante, a certeza de que essa compulsão pelo escrever prescinde às tecnologias, aos tais avanços da interatividade. Desde que o mundo é mundo, temos essa necessidade de falar, ouvir, comunicar-se, persuadir, convencer, trazer para o nosso lado ou afastar de vez… E a base de tudo isso é a palavra…
Concordam?
II.
Nem sei bem porque estou escrevendo tudo isso. Talvez porque também seja um sobrevivente à vital dependência de (tentar) me expressar pela palavra escrita. É mais grave o meu caso; pois fico incentivando meus caros alunos a seguir a mesma rota das estrelas…
Há uma justificativa. Por isso me fiz jornalista e, sinceramente, a partir daí as coisas fizeram mais sentido para mim…
Não raras vezes, nas redações onde quebrei pedra vida afora, era comum que eu me lamentasse em voz alta, quando surgiam aqueles problemas – em tese – insolúveis durante o fechamento:
— Tudo porque eu só queria escrever…
III.
Não sou refém da tecnologia. Sou refém da palavra, e dos sonhos. Não me incomodo de escrever a lápis, como fiz no hospital lá no Chile. Sequer podia ficar sentado de tanta dor nas costas que se irradiava pelo corpo todo. A tal da contratura lombar aguda me derrubou, por três dias, a uma cama num hospital de Porto Mont, depois que fui resgatado dos confins do fim do mundo, ao pé do vulcão Osorno.
(Aliás, há dois textos sobre essas andanças em PARANGOLÉS, vide "Osorno" e "Terras de Neruda".)
Estava mesmo em pandarecos. E só consegui aprumar o espírito – o corpo estava em cacos — quando arranjei um lápis, com uma enfermeira. As esferográficas logo começavam a falhar porque redigia com a folha em pé, na vertical, apoiada ao meu peito. Algumas linhas e a tinta secava e aí ia sumindo, sumindo até sumir de vez.
— Se você não pára, a vida vem e pára você.
Foi o que me disse o médico chileno, provavelmente de ascendência italiana e vasta cabeleira branca – que inveja! Da cabeleira e da frase.
IV.
Hoje, nesses tempos bicudos, mesmo serelepes em nossos passos, há sempre algo (ou alguém) que tenta nos paralisar. Quando não são os desconfortos da vida a se refletirem implacavelmente no corpo, eis os desatinos da alma; diria, aproveitando o ponto e vírgula à moda de Rubem Braga, dos sentimentos que se manifestam e descontrolam e revolvem a nossa vida, nossos sonhos…
Tantos arabescos para dizer o óbvio.
Tem sido tão bom, tem me feito tão bem escrever neste espaço sobre tudo e sobre nada… Tão bom. Tão bem que vou lhes confessar: só há uma coisa melhor…
Melhor do que isso é LER vocês…
Em posts, textos, emails, mensagens…
V.
Mensagens como a que aquele bom homem
recebeu no celular naquela bela manhã.
“Sonhei com você.”
Ele ficou assim sem entender.
Aquelas três palavrinhas soaram como se acabasse de receber a suprema tarefa de redesenhar o zigue-zague das estrelas num céu de luar em noite sem nuvem.
Era tudo o que ele queria ler.
Seria tudo que alguém quis escrever?
Poderia ser tudo de bom.
Mas, e se errasse a mão e interpretasse mal o tal desígnio?
Poderia provocar uma rota de colisões entre os astros.
Meu Deus, que acredita em mim, seria o caos!
Foi então que lembrou uma velha frase do mesmo Mário Quintana:
“Uma vida não basta apenas ser vivida: também precisa ser sonhada.”