V.
Antes que o Poeta prosseguisse com a narração de sua aventura em Congonhas, resolvi interpelá-lo para entender melhor o que aconteceu:
– Quer dizer que, em meio a toda aquela muvuca do aeroporto, você imaginou ter visto sua ex, entrou em parafuso, ficou cercando a moça (que estava acompanhada, diga-se), viu que não era ela, mesmo assim continuou no encalço da Fulana, mesmo ela sionalizando que não queria nada?
– Pois é, meu caro, pois é…
– Poeta, vamos ser sincero, você não está mais na idade de se meter nessas paradinhas. Queria arranjar confusão, cara?
– Não é isso, parceiro. Também não sei lhe dizer. Mas, sabe aquelas sensações que surgem quando você se apaixona. Aquela alegria incontrolável, aquele arrebatamento, aquele doce veneno de que ali está o princípio, o fim e o meio de tudo de bom que nos pode acontecer? Essas coisas, meu caro, eu não sentia há milênios. De repente, despencaram em mim e tive uma privatização não dos sentidos (que estavam a flor da pele), mas da razão.
VI.
– Mas, ela estava acompanhada, Poeta. Você não pensou nos riscos?
– Para ser sincero, não pensei em nada. Ainda mais quando o rapaz desapareceu não sei por qual motivo. Se foi no banheiro ou se foi verificar algo da viagem… Aí enlouqueci de vez. Anunciei a todos que ali estava a mulher da minha vida e parti em direção a ela. Era a minha chance.
– E aí, como ela reagiu?
– Saiu em desabalada carreira, entrou na livraria e desapareceu em meio às estantes de livros.
– Então, por fim, você se tocou que era hora de parar, não?
– Não, como lhe disse: há formas e formas de se estar só. Mesmo em meio a toda aquela multidão, em meio a toda aquela fissura, ali só havia nós dois. Quando eu não a vi mais, me baixou uma profunda, uma imensa solidão… Nada mais fazia sentido.
Disse isso – e voltou a ficar em silêncio, olhos estáticos, perdidos no entra-e-sai da Estação Sacomã.
VII.
Peço permissão ao amigo para lhe fazer mais duas perguntas.
Ele consente, balançando os ombros.
– Poeta, e aí, você não a viu mais?
Resposta:
– Não, mas sonho com ela todos os dias. Acho que embarcou sem que eu tenha me dado conta. Ou se mandou, pela porta lateral. Vai saber?
Pergunta dois:
– E o amigo que você levou ao aeroporto? Não estranhou o teu surto e o teu desaparecimento.
Reposta 2:
– Não falei mais com ele. Mas, desconfio que não. Ele me conhece… Único problema é que ele embarcou com a chave do carro que iria ficar comigo e que, até agora, está preso no estacionamento do aeroporto. Vai ficar uma nota essa estadia.
Concluo:
– Poeta, acho que você perdeu a mulher – e vai perder o amigo…