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A solteirice do Poeta

Ele tem o apelido de Poeta, mas verdadeiramente nunca escreveu um livro.

Ganhou o ‘título’ quando a moça que amava se foi e ele se pôs a escrever versos atrás de versos para aliviar a quentura do peito.

“Serviu como terapia, tipo descarrego mesmo”, explicou tempos depois.

Foi-se a paixão, ficou o cacoete.

Vez ou outra ainda arrisca um trôpego poema. “Mais para refletir sobre a vida e tudo que vejo ao redor do que propriamente para ver publicado um dia”.

– Faltam-me a técnica e a coragem para editá-los. Quem sabe no futuro.

II.

Encontrei-me ontem com o amigo, após uma jornada puxada na Universidade.

Queria espairecer, jogar conversa fora, relaxar, nada de relevante deveria vir á tona.

Só que o Poeta, digamos, estava inspirado.

Queria falar de Literatura.

De seus autores preferidos (os franceses Simone de Beauvoir e Sartre, Bauman, Nélson Rodrigues, entre outros) – e de como uma obra “em sintonia com seu tempo” pode ser libertadora.

Os poetas e o Poeta têm desses arroubos.

III.

Imaginei que em seguida ele fosse engatar a história do livro que um dia, talvez, quem sabe, tomara Deus, gostaria de publicar.

Mas, não.

O Poeta cismou de que eu – este humilde escriba – deveria escrever um romance.

Disse mais.

O protagonista de toda a trama deveria ser o alterego de mim mesmo. Para dar densidade e vida à narrativa.

– Gosto do seu estilo. Mas, acho que você deveria perder as travas e enveredar por um texto de fôlego, mais profundo, que revele o autor e suas verdades.

IV.

Ô loco…

Para quem, como eu, só queria dar uma arejada no fim de noite, desconfiei que a conversa estava indo longe demais,

Desconversei.

Falei que não era propriamente um escritor. Um romancista. Quem dera!

Sempre fui um repórter vira-lata, do tempo em que os repórteres iam para a rua em busca da melhor história.

Não havia a tal agenda setting.

Entrevistávamos do pipoqueiro ao líder da Oposição com a mesma naturalidade e empenho.

Valia o texto, o estilo.

Era nossa deliciosa batalha de todo o dia.

V.

Depois me fiz cronista por força das atribuições que assumi como editor e, mais recentemente, virei blogueiro na onda das novas tecnologias.

Os livros vieram como consequência ao reunir meus escritos em coletâneas. Inclusive neste ano penso em lança mais um e cousa e lousa e mariposa (que é uma expressão cunhada pelo grande e saudoso Plínio Marcos que eu gosto de usar).

VI.

Estava nesse devaneio, a me sentir o próprio entrevistado do programa Roda Viva, quando notei que meu interlocutor não estava nem aí para a minha peroração – gostaram da palavra pouco usual?

Às favas a Literatura, ele estava de olho grande na risonha e linda Fernandinha que perambulava, solta, pelas mesas do bar. Nem aí com a cobiça generalizada da plateia de perdidos que ali se encontrava.

Desacreditei.

Mas, não lhe censurei.

Na fase atual, de solterice aguda, o Poeta anda desesperado atrás de uma nova musa inspiradora…

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