Foto: Arquivo Pessoal
,,,
-Você já tentou esconder uma árvore?
-Esconder o quê? Uma árvore?
-Sim. Uma árvore.
-Mas como esconder uma árvore?
-É fácil. Basta colocá-la numa floresta.
…
Recolho o diálogo entre Vera e Henrique das páginas do romance A Tarde da Sua Ausência, de Carlos Heitor Cony, que leio pela terceira ou quarta vez. E sempre me encanta e provoca:
“Qual o mistério em ser exatamente o que se é?”
“É possível passar a vida toda se escondendo de si próprio.”
…
O livro tem 20 anos.
Quer dizer, foi lançado em 2003, pela Companhia das Letras.
Cony o escreveu em três semanas em março de 2001,
É o seu décimo quinto romance, produzido na fase madura do jornalista e escritor carioca que faleceu em 2018 prestes a completar 92 anos.
O título – que acho lindíssimo – não está entre os que mais se destacam em vendas na volumosa obra literária do autor.
Penso até que passou despercebido pelo grande público ledor.
…
Está, sim, entre os meus preferidos.
Gosto da estrutura narrativa que apresenta. Capítulos curtos a permitir uma leitura fluente, com descrições precisas das cenas e, sobretudo, como os personagens se revelam tão comuns e, ao mesmo tempo, extraordinários.
…
Para instigá-los à leitura, meus caros e raros, uso palavras do próprio autor:
“Essa é a história de uma família complicada, no Rio de Janeiro, final do século 20. Tão complicada que parece improvável. Durante a narrativa, fui obrigado a recontar fatos, circunstâncias e sentimentos, repeti cenas e situações para que eu próprio acreditasse na perdoável miséria de seus personagens”.
…
Vera e Henrique capitaneiam toda a densa trama.
O diálogo sobre a árvore e a floresta, a princípio tão despretensioso, resume o entrecho do livro que me parece ser o alheamento existencial da família Machado Alves e seus agregados.
“Num cenário em que a busca da singularidade parece impossível, todos eles preferem ausentar-se da própria existência e esconder-se ao lado dos semelhantes. Como árvores numa floresta”.
Boa leitura!
…
…
O que você acha?