Não andava lá aquelas coisas.
A vida ia e seguia na toada costumeira, nem tanto ao céu, nem tanto à terra.
As contas pagas com algum atraso, mas sob controle.
Em casa, tudo nos conformes.
No trabalho, a lengalenga de sempre.
Andava levemente nostálgico dos tempos em que fazia e acontecia.
Agora, agora, se sentia assim um tanto paquidérmico; lento, desajeitado, fora de contexto.
Precisava renovar-se. Precisava de uma aventura.
Aliás, pensando bem. Mas, pensando bem mesmo, uma viagem era tudo o que desejava.
Uma maluquice, tipo o Caminho de Santiago de Compostela.
II.
Imaginou a cena.
Ele, posando de peregrino. Cajado na mão, mochila nas costas, chapéu para proteger o começo de calvície do sol implacável do norte da Espanha.
Típico maluco-beleza dos seus tempos de jovem e inconsequente.
Divertiu-se com a ideia.
III.
Logo a voz do amigo motora o devolveu à dura realidade que o aguardava:
— Chegamos, o da fotografia. Não demora que temos de fazer outras pautas.
Sorriu timidamente – e lá foi ele registrar a figura da tal vidente que garantira ao editor saber antecipadamente quem seria o campeão brasileiro. Sua bola de cristal em forma de tablet provava e comprovava o prognóstico.
Seria um “furo jornalístico” e tanto.
Pensou na sina do repórter que realizaria a entrevista. Iria gramar até formatar um texto com o mínimo de veracidade junto as palavras da beduína.
Com ele, seria vapt-vupt.
Por curisiodade pessoal, perguntaria se o Coringão seria o tal da temporada. Fotografaria – clic, clic, clic… E viria embora.
IV.
Na verdade, foi quase isso que aconteceu.
Assim que entrou na sala de atendimento, a senhora o confundiu com um dos habituais consulentes, e foi logo lhe dizendo:
— Desista.
Tipo estátua, estancou o gesto de tirar a máquina da bolsa e arregalou os olhos:
Ela continuou:
— O senhor está pensando em fazer uma longa viagem. Subir e descer montanhas, caminhar e caminhar em busca do próprio “eu”…
Eu?, balbuciou perplexo.
— Sim, o senhor mesmo. Desista. Não haverá viagem nenhuma. Sua peregrinação vai ser aqui mesmo. Na lida. Enfrentando os obstáculos que vão aparecer. Apesar de tudo, siga em frente, caminhe firme e silenciosamente. Pois é o passo que faz o caminho.
E concluiu:
— 2012 será um bom ano.
V.
Meno male.
Sentiu um certo alívio.
Aproveitou a deixa para identificar-se e, finalmente, fazer a foto.
A senhora sorriu compreensiva, fez pose para a posteridade e reforçou o conselho antes de se despedir:
— Lembre-se: o passo faz o caminho.
VI.
Ainda conjuminava as emoções quando entrou no carro.
O motora estava ansioso à sua espera.
Pelo roteiro de pautas a cumprir ainda naquele dia e, principalmente, pelo veredito da vidente:
— E aí, lambe-lambe, quem vai ser o campeão brasileiro? Diga, diga…
Não teve dúvidas na resposta. Por sua conta e risco, chutou:
— O Corinthians, lógico!
E acrescentou, algo enigmático:
— Vamos, meu caro, siga em frente. Que 2012 será um bom ano!