Trabalhar na quinta-feira santa nunca foi o forte de Nicola, o taxista e psicólogo, que prepara tese de doutorado sob o tema Mulheres Que amam Demais. Criança ainda, as escolas não tinham aulas nesse dia e havia um tom triste e cerimonioso pelas ruas da pacata São Paulo.
Por isso, ele não abriu a agenda do consultório para hoje.
Mas, à ultima hora, desistiu de viajar.
Quer dizer, numas…
Mal embicou o imponente Santanão branco ali nas imediações da USP para pegar a Marginal que o traria até a Imigrantes, via avenida dos Bandeirantes, e uma moça fez sinal para o táxi parar.
Força do hábito. Nicola parou.
Algo lhe dizia que lá vinha história.
E veio, mesmo.
— Bom dia.
— Pra onde vamos?
— Engraçado. Passei os últimos 25 anos respondendo a mesma pergunta. Quando respondo, Vila Zelina, ouço: "Nossa! Por que você mora no fim do mundo. Atravessa de leste a oeste para chegar ao trabalho. Perde três horas diárias no trânsito…"Aí eu respondo: "É por causa da torre da minha igreja. Quando vou subindo a avenida Zelina e vejo aquela torre, sinto uma serenidade que não consigo explicar. Sabe, eu não sou católica, mas quando vejo a torre da igreja daminha infância, sinto que tenho um lugar no mundo. E não adianta explicar que ninguém entende. É como se eu conseguisse voltar para casa. Olha, eu já tentei morar na Vila Madalena, em Higienópolis, agora, em Moema… Mas nunca, jamais, abdiquei da casa onde nasci, do bairro dos lituanos, russos, onde a modernidade parece não conseguir entrar na rotina. A padaria São José que há mais de meio século faz a mesma receita de pão preto. A vendinha que conserva os mesmos armários de nogueira com porta de vidro. O balcão onde os aposentados se encostam para apreciar cerveja com picles de cenoura, repolho e pepino… As lojinhas que vendem tudo a prazo sem pedir documentos. A feira com o mesmo batateiro, o mesmo verdureiro…Enfim, uma riqueza sem igual. Quando estou triste, vou correndo para o banco da praça e fico contemplando a torre da igreja. O senhor me entende, não?
Nicola não é de muita conversa – e todo aquele papo não contribuiu em nada com a sua tese de doutorado. Mas, em silêncio, balançou a cabeça afirmativamente. Depois de alguns segundos, falou a voz da experiência:
— É uma bela história para uma quinta-feira santa…
FOTO no blog: Jô Rabelo