Devia ter uns onze, doze anos; por aí…
Assistia a um programa especial que o Canal 7, a então poderosa TV Record, exibia.
Seria o famoso Show do Dia 7 que todos os meses reunia, nesta data, o milionário elenco da emissora?
Ou seria uma das apresentações do Troféu Roquete Pinto, prêmio máximo para os destaques da TV e do rádio naquela temporada?
Talvez fosse um daqueles shows ao vivo que trazia música e esquetes de humor?
Não vou lembrar, mas ficam aí as indicações.
(…)
Lembro que, lá pelas tantas, apareceu uma figura diferentona no palco. Era um gordinho, todo malemolente e exibido, que o apresentador (Blota Júnior, talvez) disse se tratar de um comediante de talento muito promissor.
O rapaz não se acanhou diante do microfone e da plateia.
Com desenvoltura, se pôs a contar a piada que nunca esqueci.
Juro… Tanto que hoje vou lhes contar.
Ressalto que, para todos os efeitos, estamos em meados dos anos 60, ok?
(…)
Seguinte.
Trafegava pelas ruas de São Paulo a caminho de Santos uma portentosa Ferrari e seu feliz proprietário. Homem de bom coração, mas um tanto distraído.
Seguia tranqüilo até que observou uma simpática Romiseta (veja foto acima) parada no acostamento à entrada da via Anchieta.
Recostado ao carrinho, o dono tinha ares de desolação e acenou para o ferrarista que, de imediato, parou a máquina e resolveu prestar socorro ao desconhecido.
(…)
A Romisetta estava sem combustível, e precisava ser rebocada até o próximo posto.
– Por isso, não, disse o ferrarista. Vamos lá, eu lhe ajudo.
Não sei onde o cidadão arranjou uma corda e fez um encaixe de um carro no outro – e saíram atrás do bendito posto.
(…)
Acontece que, minutos depois, passa pelo nosso comboio uma Maserati de tirar o fôlego. Passa a milhão. Mas, logo à frente, reduz a velocidade e emparelha com a Ferrari como se propusesse um racha.
Por alguns instantes, o bondoso ferrarista preferiu ignorar a provocação, cônscio da ação que praticava.
(…)
A noite suave, a estrada quase vazia, e o chato da Maserati a lhe desafiar.
Num dado momento, ficou tão nervoso com a situação, que lhe bateu um branco na mente, e ele esqueceu que trazia uma Romisetta a tira colo.
Resolveu encarar o desafiante – e acelerou o carro.
Faria o tolo da Maserati comer poeira.
(…)
No volante da Romisetta, o outro rapaz começou a se preocupar com a brincadeira – e buzinou uma, duas, três vezes…
E nada de alguém lhe escutar.
Pressentiu o tamanho da encrenca em que se metera.
Os dois possantes veículos, malucamente acelerados, seguiam quase parelhos pelas curvas da velha Estrada de Santos.
(Roberto ainda não havia feito a canção famosa.)
“Loucura, loucura, loucura”, como diz um conhecido apresentador que almeja chegar à Presidência da República.
Os carrões a 200 por hora, lado a lado, quase a se chocar e o motorista da Romisetta com a mão na buzina, pressentindo o pior.
(…)
Foi neste exato instante que passaram por um comando da Polícia Rodoviária. O policial de plantão ainda tentou chegar à própria viatura para segui-los. Entrou no Simca Chambord da corporação, mas percebeu a missão impossível que lhe cabia:
Alcançá-los, jamais.
Sem alternativa, passou, então, um rádio para outro comando que existia mais a frente.
Que se posicionasse, pois a situação era bizarra:
– Prepare-se para a descrição, câmbio. Uma Ferrari e uma Maserati apostando corrida, câmbio. Estão a mais ou menos 200 por hora, câmbio. Agora, acredite se quiser, câmbio. Tem uma Romisetta, isso mesmo uma Romisetta, câmbio. Buzinando e pedindo passagem…
(…)
Meus amáveis cinco ou seis leitores, devo lhes dizer:
Foi a primeira vez que vi Jô Soares, ainda que pela telinha da nossa velha Invictus 21 polegadas, pés ‘palitos’, e em preto e branco.
Lá se vão quase 60 anos…
(…)
Soube hoje que Jô vai lançar o primeiro volume de um livro de memórias – “O Livro de Jô – Uma Biografia Desautorizada” – e me apressei em fazer este registro antes de ler a obra.
Assim que estiver nas livrarias pretendo lê-la, óbvio – e, óbvio dos óbvios, tentarei encontrar algum registro desta apresentação que lhes narrei.
E que me é inesquecível.
Pode lhes parecer bobagem, mas foi a forma que encontrei de reverenciar este notável multiartista e aqui registrar minha admiração à primeira vista.
O que você acha?