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Adoniran, o gentil

“Eu prefiro a minha parte em dinheiro.”

Fazia parte do folclore das redações paulistanas a suposta resposta que o cantor, compositor e humorista Adoniran Barbosa deu a alguns senhores que desejavam homenagearam com um busto ou algo parecido “pelos inestimáveis serviços prestados à cultura brasileira.”

Adoniran vivia um bom momento. Fora redescoberto pela ‘intelligentzia’ da MPB dos anos 70 após o sucesso de “Trem das Onze” como hit do badalado carnaval do Rio de Janeiro. Mesmo assim, não andava bem de grana.

Daí a objetividade (e o mau humor) da resposta supracitada.

II.

Era um jovem repórter – e iria entrevistar Adoniran num bar chamado “Talismã” ali nos arredores da gravadora Odeon, imediações da Major Sertório, no Centro de São Paulo.

Fui alertado pelos veteranos que, embora um gênio do rádio, da TV e da música popular, o homem era ranzinza que só.

A depender dos ares do dia ou de uma pergunta mal colocada, explodia fácil, fácil. Houve vez em que encerrara a conversa com a célebre expressão:

“Já me encheu os pacovas.”

III.

Duvidei do recado dos amigos.

Jeitão de vovozinho, aquela linguagem macarrônica, a singeleza das canções que compôs.

Impossível, sacramentei.

Mas, me arrependi antes mesmo de terminar a primeira pergunta:

– Sr. Adoniran, de onde veio a ideia de trocar seu nome de batismo, João Rubinato, para Ado…

IV.

Como disse, não terminei a pergunta.

Um sonoro palavrão ecoou pelo salão. Ainda bem que só estávamos eu, ele e o assessor de imprensa, o Gomide, que prontamente interveio a meu favor.

– Adoniran, faça o favor, é só uma pergunta!

Estica daqui, puxa dali, continuamos a entrevista. Com mais cautela (e originalidade) da minha parte.

Deu tudo certo por fim. Mas, de algum modo, me senti desconfortável com o vacilo.

Fui mal, não me perdoei.

V.

Só me conformei quando, à saída, presenciei outra explosão do compositor de “Saudosa Maloca”.

Acabava de chegar o que me pareceu ser o dono do bar e uma leva de amigos.

Todos encantados com a presença de Adoniran ali.

“É uma honra recebê-lo”, disse o tal.

“Adoro suas músicas.”, falou outro

“Fala aí, grande Charutinho!”, brincou um terceiro, cheio das intimidades.

E Adoniran em silêncio…

VI.

Empolgado com a situação – e já se achando senhor da cena -, o anfitrião ameaçou um discurso.

– Adoniran, somos um grande admirador da sua obra, da sua pessoal e…

Outro corte seco do artista:

– Querem saber? Azar o de vocês!

E foi-se embora, sem olhar para trás e sem se despedir.