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Água com gás

Lá estava Dinoel…

No mesmo apartamento,
o inesquecível número 54,
do mesmo flat, numa importante
avenida da grande cidade.

Não estava triste, nem feliz.
Esperaria por Dagmar,
como tantas vezes esperou…

Era igual, mas diferente.

Há tempos não se viam, mal se falavam,
um e outro email. Quando ela se deixava
levar pelos descompassos do coração,
fazia contato. Com aquele jeitinho,
sabe qual?, pois é aquele…

Não era por nada, não.
Queria só ouvir sua voz ou
ler na telinha a resposta que
ele lhe daria. Resposta óbvia:
“Eu te amo”, era assim que sempre
terminava, fosse email, fosse telefonema…

Ela, então, se sentia aliviada, feliz.
Mas, como de hábito, confusa.
Gostava dele, mas não queria
se entregar. Tanta coisa pra viver…

— Não quero sua amizade como
prêmio de consolação – repetia Dinoel.
Aliás, não quero nada que não seja
verdadeiramente meu.

II.

Um dia marcaram uma conversa séria.
Para definir o sim e o não…

Olho no olho, como ensina
a tradição dos velhos e bons romances.
Primeiro passo, desligar o celular.

— As novas tecnologias são um avanço
da humanidade – dizia um amigo –, mas criam
pessoas dependentes, esquizofrênicas…

III.

Também para a honrar a tradição,
que desenvolveu a partir das longas
esperas por Dagmar , ele procurou
no frigobar uma água com gás. Para
refrigerar o corpo e alma…

Não encontrou. Fez o pedido na recepção…

Como sempre, ela se atrasaria – e chegaria
com uma desculpa absurda. Ele relegaria
em nome dos momentos felizes que
sempre viveram quando se encontravam…

Andou pelo quarto, pela pequena sala…
Deixou a porta apenas encostada.
Sem televisão, sem música. Silêncio,
queria ouvir a moça chegar…

Pela janela olhou a linha do horizonte,
o contorno dos prédios, a cidade iluminada…

Sentiu-se estranho. Tudo tão seu e dela.
Tudo tão distante…

IV.

Passos no corredor. O barulho
inconfundível do salto plataforma –
nunca entendeu porque as mulheres insistem
nessa moda, não vivemos na Europa,
não há neve por aqui…

Estranhou o tocar da campainha.
Nunca foi disso. Talvez a distância,
a ausência… Ela estava mais formal,
talvez. Mais bonita com certeza…

— Entre, fique à vontade,
disse com o coração acelerado.

V.

Sentiu o baque. Poderia fraquejar.
Rápido, sem pensar, adotou
uma estratégia. Continuaria a olhar
pela janela, e diria tudo o que queria
dizer. Tudo. Só depois se voltaria
e enfrentaria, de peito aberto,
os encantos da morena Dagmar,
desde sempre a mulher da sua vida…

— Olha, deixa-me falar. Aliás, sempre
fui eu quem procurou dizer as coisas,
mostrar os caminhos e os sinais. Nunca
entendi o seu silêncio. Ora me parecia
que você concordava com tudo. Ora parecia
que não queria me magoar. Ora me
parecia que é o jeito que você leva a vida.
Assim como quem não quer nada.
Sem dar atenção ao que digo, ao que faço,
ao meu amor por você, ao nosso amor.
Sim, porque nos amamos…
Nem sei porque ainda estou nesse barulho.
Você não foi legal comigo. Com os sonhos
e os projetos que fizemos…

— Hum, hum, moço, moço…

Estranhou o tom de voz – diferente, anasalado…

— Olha, um minuto, por favor.
Eu só vim lhe trazer a água com gás…

VI.

Enquanto a copeira se afastava com
seus tamancos de madeira e a bandeja
vazia, Dinoel recolhia os cacos
dos sentimentos dilacerados.

No mesmo instante, dois andares acima,
Dagmar conversava com uma amiga
no bendito celular. E andava perdida
pelos corredores. Quase conscenciosa…

— Preciso desligar agora. Não consigo
lembrar o número. Era 74 ou 84.
Aí, não me lembro. Pode ser 64…

Tão cedo eles não se reencontrariam.
Talvez fosse melhor assim

[Texto publicado no livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”]