Seguiam viagem despreocupados, e algo felizes.
Participariam de um evento a mando da empresa em uma pequena cidade do Interior.
O ‘algo felizes’ vem daí.
Fugiam da rotina do escritório de paredes esbranquiçadas, das reuniões caudalosas, dos impasses comuns à qualquer rotina de trabalho.
Eram amigos – e só.
Quer dizer, não tão só.
Vendo por outro ângulo, se olhavam mais alongadamente.
Tinham admiração silenciosa e mútua.
E o xaveco era latente; diga-se, bem aceito por ambas as partes.
Embora ninguém ousasse dar o primeiro passo…
II.
Como disse, seguiam despreocupados, e algo felizes. Até que o rádio os surpreendeu como uma velha canção de Djavan na voz persuasiva de Tim Maia.
À medida que crescia a melodia, crescia também um (in)certo embaraço romântico entre os dois.
Precisavam dizer algo, urgentemente.
Para quebrar o clima.
III.
Mas o incauto rapaz (não tão rapaz assim) não segurou a onda – e se deixou levar pelos versos dolentes:
– Seria capaz de lhe amar assim.
Ambos se surpreenderam.
Ela tentou se fazer de desentendida:
– O quê?
Ele tentou corrigir:
– Seria capaz de amar alguém assim?
(Repetiu acrescentando a interrogação)
IV.
– Ufa!
Ela brincou, mostrando-se aliviada, mas sabendo que ele não repetiu o que disse.
Decidiu provocá-lo:
– Havia entendido outra coisa. Pensei que tivesse ouvido um galanteio. Estava quase acreditando, viu?
V.
Ah, as mulheres sabem com nos confundir.
O moço agora não sabia se desdizia o que disse por último e retomava o xaveco – ou se esquecia o xaveco e continuava na trilha do desentendido.
Optou pela segunda hipótese, achando que se daria bem ao fazer a linha do descolado romântico:
– Não sou propriamente um galanteador. Sou assim… Por vezes, Dom Quixote; em outras, Sancho Pança. Gosto de paixões intensas, dos sonhos mais loucos…
VI.
E ela, debochada que só, encerrou o assunto:
– Que pena! Queria alguém que mentisse um tantinho. Que me encantasse ao dizer bobagens nos meus ouvidos. Que me levasse para a cama por uma noite apenas…
Ah, as mulheres… Sempre a nos confundir.
(Ela tudo o que ele queria, mas perdeu a hora e a vez)
VII.
Quer dizer, desconfio…