Foto: Alile Dara Onawale/Sony Pictures
…
Perdão, raríssimo leitor, caríssima leitora…
Penso que, no embalo do texto de ontem (“Não dá para esquecer”), criei vãs expectativas ao prometer que hoje lhes falaria sobre Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que segue em cartaz – e com bom público – nos cinemas da cidade.
Não deveria alardear coisas que não sou.
…
Só agora quando me preparo para escrever a humilde crônica do dia me dou conta da bobagem que lhes prometi:
… dar minha opinião sobre o filme propriamente dito.
Não sou crítico de cinema.
O que posso lhes dizer que já não foi dito?
…
Olhem meu dilema!
Penso e repenso.
E decido.
Vou lhes falar das minhas impressões, ok?
…
Entro no cinema com o coração apertado. Sei o que me espera a partir da história que conheco dos livros e do noticiário. Inevitável o travo amargo e tenso por reviver um tempo dos mais agoniantes da nossa história recente.
Aqui, registro o primeiro destaque.
A sensível – mas contundente – narrativa da trama logo me envolve e, de certa forma, abranda minhas latentes angústias.
Bate em mim um, digamos, terno alívio de, tanto naqueles dias nebulosos como hoje (quando ainda vivemos sujeitos a chuvas, relâmpagos e trovoadas), estar do lado certo da História.
Não sei lhes explicar essa sensação.
Que permeou meus pensamentos em vários momentos do filme.
Tentarei.
…
Uma cena que me emocionou foi o momento em que Rubem Paiva é preso e se encaminha para o veículo que o levará para sabe-se lá onde… No instante derradeiro, Rubem/Selton olha ternamente para a família que assiste à cena e expressa a doce e vã expectativa de logo voltar para a casa, voltar para os seus.
Ele talvez desconfie. Mas, nós, do lado de cá da tela, sabemos que não haverá volta.
E os dias não serão mais os mesmos.
…
Selton Mello e Fernanda Torres, aliás, como todos já disseram, estão absolutos ao intepretar os protagonistas Rubem e Eunice Paiva.
Preciosa interpretação de ambos.
Desde o primeiro momento nos tornamos amigos e cúmplices do casal.
…
Outra cena que me balançou além da conta.
Eunice está no cativeiro há dias. Tem consciência do que está em jogo, mas não tem conhecimento do que a levou ali. Rubem Paiva nada lhe disse do apoio que dava aos perseguidos pelos ditadores de então. Mantém, mesmo assim, uma postura firme. Não demonstra qualquer laivo de medo diante dos sabujos e dos horrores que vive.
Numa das vezes em que é chamada a depor (pela enésima vez), o soldado que a acompanha não contém sua admiração por aquela manifestação de coragem e dignidade. Toca delicadamente em seu braço, e lhe diz baixinho: “Quero dizer para a senhora que cumpro ordem, mas não concordo com nada do que está acontecendo”.
É um jovem recruta.
À época em que tudo aconteceu, eu estaria entre os 18 ou 19 anos.
Me ocorreu uma inquietação.
Eu poderia estar no lugar do gajo.
Deveria estar servindo ao Exército naquele período.
O “excesso de contingente” me salvou da presepada obrigatória.
A vida tem seus desvãos.
…
Outra sequência que mexe comigo além da conta,
Quando lhe devolvem a liberdade, Eunice/Fernanda volta para a casa. O reencontro com os filhos. Está destroçada pelas vicissitudes que viveu no cárcere. Há aquele primeiro reconhecimento com o olhar dda velha casa que não é mais o mesmo lar, o banho demorado para livrar-se das marcas, o sono reparador dos males do corpo, mas nunca d’alma.
Na manhã seguinte, vê-se a nova Eunice em cena, Consciente dos desafios que irá enfrentar e lena da missão e que a vida lhe impôs.
É preciso dar um jeito, meus amigos.
…
A propósito, sair do cinema – a sala ainda escura – ao som da velha canção do Erasmo, grande e saudoso Erasmo Carlos, é algo que não sei descrever. Algo ainda inebriado, o que fiz quando de volta à luz no corredor que dava para o saguão do cinema, foi disfarçar e levar as duas mãos aos olhos como se um punhado da fina areia do tempo tivesse me embaçado a visão e feito chorar.
“Descansar não adianta
Quando a gente se levanta
Tanta coisa aconteceu”
…
…
O que você acha?