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Alegorias cotidianas

A moça bonita, que já foi Hilda Furacão numa minisérie, me diz como estão acessíveis as tarifas telefônicas. Ela está mais bonita nesse anúncio de TV, e também mais persuasiva: "Está esperando o quê? Vai, liga, vai…" Não passa pela minha cabeça desobedecê-la. Em segundos, estou discando… Do outro lado da linha, a voz impessoal do gravador faz desmoronar todos os meus anseios: "Esta caixa postal está repleta de mensagens. Por favor, tente outra vez, mais tarde". Entendo que este "mais tarde" pode também significar "tarde demais", quase sempre é assim.

Volto ao meu Carnaval na TV e a mesmice que as emissoras programaram. É certo que a exibição das escolas revelam o paradoxo deste Brasil de fim de milênio. Ostentam um luxo inexedível que se contrapõe às misérias nossas de cada dia. Apesar da minha rabugice, reconheço que é melhor que assim seja. Imagine como estaria a frustração do brasileiro senão houvesse essa válvula de escape, travestida de ilusões e fantasias? Mas, toquemos nosso enredo solitário diante da telinha. Eis que em outro comercial surge um senhor até que bem apessoado que nos ensina: "Essa crise passará…" Antes, porém, faz lá seus cálculos e com jeito de sabichão explica: "quem tem mais de 40 anos já passou por oito planos econômicos…" e subtende-se sobreviverá a mais este momento de asperezas sociais.

Subtendo, também — e, parece-me, assim desejam os marqueteiros oficiais — que os brasileiros devem reclamar menos (ou seja, nada de pertubações sociais: greves, passeatas, manifestações, essas bobagens), trabalhar mais (desemprego? que desemprego, cara, arrume algo para fazer, vamos, anda), abrir mão de alguns luxos (exemplo: para que café com leite? vai só de café ou só de leite, ou jejue; é bom para o espírito. Idem para o arroz com feijão, filé com fritas etc) e seguir em frente sem reclamar do governo que, aliás, vem fazendo o seu melhor. E é nessa batida, com algum sacrifício, que vamos superar mais este momento ruim. Aí estão o presidente, o Malan, o ACM, o FMI e até os desígnios do semi-deus chamado "Mercado Financeiro" que olharão por nós… Não quero ferir o coro dos contentes (e significativa parcela da mídia), mas algo me diz que não é por aí.

O brasileiro que enfrenta a barra do dia-a-dia sabe que a hora não é de discursos, palavrórios e quetais. O Governo esperou muito para mexer no Real e Itamar Franco não tem nada a ver com a degringolada de nossa Economia. FHC, tucanos e pefelistas pensaram unicamente em reeleger-se, depois voltaram-se para o que restou do País com jeito de folião que caiu do carro-alegórico. Deslumbraram-se com o Poder, agora mesmo entre plumas e lantejoulas sabem que nada podem fazer. Deixaram para "mais tarde", o que infelizmente para nós, meros carregadores das alegorias cotidianas, pode significar "tarde demais". Quase sempre é assim, tá.