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Almeidinha (Parte 1)

Invadiu a redação como se já fosse íntima do ambiente. Ele falava ao telefone e apenas balançou afirmativamente a cabeça quando ela se anunciou com um trivial "licença”.

À primeira vista, ela mal – ou bem – saíra da adolescência, mas já se entendia mulher. O corpo bem talhado, aliás, fez com que o próprio tivesse a mesma (e muitas outras) impressão. O rosto denunciava sua jovialidade, apesar do batom vermelho e do cabelo curto, quase à nuca. O gel exagerado lhe dava uma aparência molhada e uma sensualidade irresistível.

Preferiu manter a conversa ao telefone para avaliar aquele singelo projeto de Juliana Paes que, como num passe de mágica, agora se postava desafiadoramente à sua frente. Já não prestava a menor atenção ao que o interlocutor, porta-voz de um movimento popular, dizia do outro lado da linha. O homem queria denunciar o abandono da sofrida região onde morava, que estava sujeita a enchentes, epidemias de dengue, sem transporte público etc etc.

O tal líder comunitário tinha todos argumentos possíveis e imagináveis que, àquela hora, nada mais diziam ao editor. Seus sentidos agora lhe informaram que, se ela sentasse na cadeira à frente da mesa, o visual poderia melhorar consideravelmente.

Achou-se mesquinho, torpe. Mas, não resistiu. Apontou a cadeira sugerindo que se acomodasse e se colocasse mais à vontade do que já se encontrava.

Vamos dizer que os novos horizontes não foram tão reveladores quanto imaginou. Notou, no entanto, que ela trazia um desses envelopes pardos, próprios para guardar sulfite, e a maneira como o segurava demonstrava uma perigosa ansiedade. Entendeu logo que o assunto da visita estava ali…

II.

Ficou curioso e encerrou a conversa ao telefone. Despachou o senhor e suas reivindicações para a manhã do outro dia, quando haveria a reunião de pauta. Queria enfrentar a fera de frente.

Antes, porém, chamou pela consciência. Ou a consciência chamou por ele. A moçoila poderia ser sua filha e, de resto, naquela idade, na função que exercia, não seria ético ficar com marolas e insinuações.

– Pois, não? – perguntou ao mesmo tempo em que ajeitava alguns papéis sobre a mesa para passar uma idéia de que era um senhor (hum, hum!) muito ocupado.

– Sabe o que é.

Não, certamente ele não sabia, mas estava disposto a saber. No dia, hora e local que ela determinasse.

Ela pensou um segundo antes de continuar. Aprumou-se na desconfortável cadeira que ele lhe oferecera e, miragem das miragens, os olhos do decano da imprensa foram presenteados com alguns centímetros de puro encanto, torneado pelo sol e enfeitado por milimétricos e insinuantes pêlos doirados.

Aliás, sempre lhe pertubou esse supremo poder da juventude a inventar beleza no que já é belo, belíssimo, como o par de pernas que ora vislumbrava.

– Sabe o que é – repetiu tomando fôlego como se fosse revelar um grande segredo.

Ele não a interrompeu.

– Eu gosto de escrever e tenho alguns textos (premonição braba, a razão do tal envelope) e gostaria de colaborar com o jornal.

De imediato, espalhou sobre a mesa uma dezena de folhas, com fragmentos do que ela própria intitulou sua obra. Era o que ele temia. E não sobrou escapatória senão dar uma "sapeada" nos escritos. Que roubada!

III.

O primeiro não deixava dúvida sobre o que ela pensava sobre o que o mundo ocidental pensava sobre o continente africano.

O seguinte descrevia os benefícios da dança do ventre e, de quebra, dava o endereço da academia de uma amiga para maiores esclarecimentos (Pois é. Não se imagina aonde o marketing pode chegar).

A terceira foi suficiente para que desse por encerrada a heróica missão. Tratava das funções sociais do artista e, para mostrar embasamento, citava como fonte uma dessas enciclopédias, onde a capa vistosa é mais importante do que o conteúdo.

— Sou uma escritora e, em breve, serei muito famosa. Assim como o Paulo Coelho. Ah! também quero ter um programa de TV, dar palestras e…

E continua amanhã…

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