E…
IV.
Enquanto a moça enfileirava sonhos e fantasias, o velho lobo a observava. A beleza da menina, sim, era real e se realçava. Como diziam os amigos em código , sempre que viam passar uma mulher mais bem apessoada:
— Bela espécie, rapaziada.
Há alguns anos, essa mesma cena, neste mesmo palco, com a presença de alguns velhos e bons amigos que já se foram para o andar superior, a garota seria inapelavelmente colocada na roda. As brincadeiras e gozações nem sempre respeitavam os limites do bom-senso. Mas, divertiam a valer desde que não fossem com ele ou alguém próximo.
O seus olhos agora encheram-se de saudades…
V.
Lembrou que, certa tarde instável como a daquele dia, uma senhora loira bem dotada visitou a Redação para divulgar o novo trabalho. Era uma atriz e falava maravilhas da peça que entraria em cartaz e, da qual, era a produtora, autora, diretora e protagonista.
Enquanto atendia a fulana, percebeu uma movimentação exagerada no prédio. Sorrateiramente, dois deles saíram da sala e organizaram um enorme fila de autógrafos para a precursora da Madonna.
Convocaram boys, escriturários, atendentes, o pessoal da Publicidade e quem mais estivesse por ali. Todos com caneta e papel, prontos para recepcioná-la calorosamente assim que terminasse a entrevista.
Obviamente, os fotógrafos ficaram a postos (só um deles com filme na máquina). No estacionamento, outra presepada: posicionaram estrategicamente meia-dúzia de automóveis e outra parte da platéia para uma buzinaço e uma nova sessão de autógrafos e aplausos.
Foi o grande momento da atriz que do nada surgiu e para o nada voltou…
VI.
Todos riram muito com aquela patacoada, especialmente do momento em que um dos tais, absolutamente tomado pelo personagem do fã histérico, providenciou cimento fresco para que inaugurassem uma calçada da fama em pleno pátio do estacionamento.
Se a atriz que já registrava alguma rodagem pela longa e sinuosa estrada da vida entregou-se por inteiro aos doidivanas, imagine essa garota, a cada minuto mais deslumbrada e deslumbrando, que continuou a devanear com seus anseios de ser e estar.
Devaneios por devaneios, não podia lhe repreender. Ele também estava, cá, com os dele. Precisou dar um basta em si mesmo. Insistiu e repetiu para ele mesmo se convencer: ela é quase uma criança (não era tanto assim), invocou razões éticas, morais, profissionais, cívicas, religiosas, políticas, econômicas, sociais.
Sentiu, porém, que nada se sustentava toda vez que ela o olhava mais insistentemente.
E os olhares estavam cada vez mais freqüentes e lhe tiravam o bom juízo.
Resolveu cortar o mal pela raiz. Agora era ele quem tomava fôlego, assumiu ares professorais e lançou mão do velho recurso que, aliás, já havia lhe livrado de tantos outros constrangimentos. Perguntou cerimoniosamente se ela estudava ou já era formada em jornalismo.
Sabia de antemão a resposta.
(Mas, ela só vai responder na crônica de amanhã)