VII.
— Não. Por quê? Precisa?
Era a resposta que ele imaginava. Fez uma expressão contrariada, como se a lamentar a perda, e argumentou: uma lei determina que as pessoas que escrevem para jornal precisam ser jornalistas diplomados em nível superior. Se elazinha fosse ao menos estudante de jornalismo, poderia fazer uma concessão.
Mas, infelizmente…
— Ah! Bonito… Tanto faz, não é assim?
Sorriu da resposta/pergunta. Como iria lhe explicar? Todos sabem que não é exatamente assim. Mas, é um jeito que os jornalistas usam para se livrar (e livrar os leitores) de alguns ‘grandes talentos’ que aparecem nas redações com ares e pinta de gênio.
Não era o caso dela. Poderia até deixá-la por lá como estagiária. Porém diante do que aconteceu há alguns anos, numa certa casa branca – inclusive a cor da pintura externa da sede ao jornal -, achou mais conveniente evitar problemas futuros.
Evitar acidentes é dever de todos…
VIII.
Ela fez que se convenceu.
— Acho muito justo, disse e sorriu.
Entretanto, merecia uma oportunidade. Ademais, estava em seus planos cursar uma faculdade. O olhar se revelou ainda mais malicioso.
— Você não vai se arrepender, garanto…
Percebeu e vibrou com o fato de ela ter abolido a expressão "senhor" da frase. Mas, reconsiderou. Não faz a menor diferença: os jovens de hoje são assim mesmo e cousa e lousa.
"Não tem cabimento" – sussurrou para que não cometesse qualquer ato de auto-engano.
– O quê? – perguntou.
– Infelizmente não é possível. Continue a escrever, a estudar e, principalmente, leia muito – parecia um pastor falando.
Era melhor manter distância.
— Então, tá hein! Que pena…
IX.
Foi embora com seus escritos e os atropelos descabidos que lhe trouxe. Pôde então admirar a tranqüilidade da Redação em pleno fechamento da edição. Lá fora um arco-íris enfeitava o cinzento céu paulistano. Nem percebeu que havia chovido. Ficou aliviado.
Logo, logo chegaria o café novo e quente, que reporia alma e alucinações no devido lugar.
— A moça mandou entregar – era Dona Santa, a copeira, que chegava com o café e uma folha dobrada em quatro. Abriu para ler, era uma poesia – ou algo assim. Seria talvez um tratado de intenções que ela não hesitaria em realizar:
"Deslizo em mãos do prazer e meu corpo vibra e treme… Sempre te quis. Não há fantasia que interrompa o tremor, o tesão, a ternura, o suor, o amor, o encanto.”
Assinado: B.
X.
Quando o amigo Almeidinha me contou essa história, quase caí da cadeira e me engasguei com o café morno que acabara de me servir. Prestativo, o jornalista veio em meu socorro. Tapinhas nas costas e a pergunta inevitável:
— O que foi? Era só uma menina…
— Você não perguntou o nome da moça?
— Era Beatriz, Branca… Bruna. Isto mesmo. Bruna. Disse também que gostava de mar, de surfe. E que ainda iria dar o que falar. Coisas de menina deslumbrada, você sabe…
Saber, saber não sei. Mas, desconfio que o Almeidinha, na sua santa ingenuidade, perdeu a chance de ser o autor de um best-seller chamado ‘Bruna Surfistinha’…
XI.
Abracei o amigo e me despedi sem nada lhe dizer.
— Eu apareço, Almeidinha.
— Apareça, sim. Desde as diretas-já que não vejo nada de verdadeiramente interessante acontecer por aqui. Estou pensando em me aposentar…
— ?!!?
Nota do Autor:
Este post/brincadeira é dedicado
ao jornalista Jorge Tarquini,
amigo e autor do texto final
do livro “Bruna Surfistinha”.
Quem soube fazer a hora
e o best-seller…