Passei dos 20 sem nada saber da vida e dos amores.
Nem de longe acreditava que a amizade fosse o mais nobre dos sentimentos. Onde o amor em sua forma plena se cristaliza, e reluz.
Mesmo assim, aos 30, ganhei uma festa surpresa na redação do jornal em que trabalhava. Daquelas que você nem imagina que estão armando. Um pouco antes, alguém lhe convida para um café na padaria e lá fica enrolando, enrolando… até que chega outro, na maior cara de mau, e dá o toque:
– E aí não vão mais trabalhar hoje?
Preciso dizer?
Quando voltei à redação, a trempa toda reunida ao redor de um bolo a cantar “Parabéns a Você”. A redação enfeitada – pasmem! – com bixigas coloridas – e eu ali abestalhado, sem acreditar exatamente no que estava acontecendo (e a supor que o 4 de dezembro passaria em branco). Ainda tive que improvisar um discurso de agradecimento que, a cada palavra que eu tentava dizer, era interrompido por uma nova cantoria da dita musiquinha.
Ganhei do Nasci, mestre, guru e gozador-mor, um mascote do Palmeiras que o tempo, por conta e risco das ilusões tidas e havidas, fez questão de esverdear.
Inesquecível (2)
Aos 40, não lembro bem o que aconteceu. Continuava sem desvendar os tais mistérios da vida e dos amores. Andava destroçado por uma aventura de cunho político e entristecido pela morte do meu sobrinho Júnior algumas semanas antes do aniversário.
Não havia clima.
Acho que comemoramos em casa, coisa discreta.
Não me animei sequer com a lengalenga que a dita-cuja vida começa exatamente aí, aos 40.
Inesquecível (3)
Aos 50, andava assoberbado de metas urgentes a serem alcançadas. Me parecia ter tanto e tanto caminhado – e de repente estava, ali, onde sempre estive – no mesmo lugar. Passei o dia 4 de dezembro inteiro – manhã, tarde, noite e parte da madrugada – escrevendo a dissertação de mestrado “Museu do Ipiranga – A Nova Imagem de Uma Instituição Centenária”.
Foi um sufoco!
Daí 7 era o prazo final – e fatal – para a entrega do catatau de quase 200 páginas – e eu, como de hábito, deixara tudo para a última hora.
Aproveitei o estilo de Carlos Heitor Cony em Pessach – A Travessia para escrever a introdução do trabalho assim como ele iniciou o livro famoso:
“4 de dezembro de 2000. Completo hoje 50 anos e, diante do pequeno computador, vou começar a enésima leitura da dissertação de mestrado. A expressão de admiração do personagem Mário Ruoppolo, o carteiro do filme de Il Postino, vencedor do Oscar de melhor trilha sonora drama de 96, surge-me emblemática:
‘Mas eu me sinto assim como um barco num mar de palavras.’
Também me sinto assim diante do imensurável desafio de escrever sobre os compromissos da Comunicação e da Ciência neste fim de século, sem deixar de acreditar no sonho, de me encantar com as eventuais descobertas, sem perder a esperança no amanhã.”
O amanhã que ontem chegou…
Inesquecível (4)
Ontem (não contei, mas me disseram) quase uma centena de amigos veio me encontrar na Livraria Cultura do Shopping Villa Lobos. Foi lá que celebrei os 60 anos e aproveitei para fazer o lançamento oficial do livro Meus Caros Amigos – Crônicas Sobre Jornalistas, Boêmios e Paixões, que anda há alguns meses pelos blogs, becos e bocas dos meus chegados.
Fiquei abestalhado de rever a todos. De ouvir e lembrar velhas e curtidas histórias que vivemos – algumas das quais retrato no livro; com todo respeito, é claro.
Alguns trouxeram os filhos novos e o carinho antigo (ambos lindíssimos, e sempre promissores). Outros trocaram emails, números de celular (ô modernidade!) e as lembranças dos tempos em que não éramos distantes.
Todos ‘matamos’ a saudade e renovamos a promessa sincera (porém, escorregadia) de não nos perdemos mais.
Sorrimos – e como é bom e difícil sorrir nos tempos atuais – como se hiato de tempo nunca houvesse existido.
Fizemos um pacto silencioso, inclusive com aqueles que não puderam aparecer, de preservar nosso olhar parceiro e desbravador para o novo amanhã que virá.
Um novo amanhã que, lá na frente, será ontem – como aquele amanhã de dez anos atrás que ontem foi – e certamente o novo amanhã novo nos surpreenderá juntos, e sonhadores, como sempre fomos, e seremos.
Alguém disse – não vou citar o nome, pois fica como legado de todos nós – que podemos continuar sem entender a vida e os amores, mas fomos agraciados, sim, com as bênçãos e a luz de uma grande amizade.