A coisa aqui andava preta.
Início dos anos 70. A ditadura (esta que o pessoal quer de volta) comia solta.
No embalo do caudilho da vez, o general Médici, a tigrada fazia e acontecia. Eram os senhores do Poder – e não permitiam que ninguém ousasse criticar seus feitos e decisões.
A censura era implacável. Nos jornais, nas artes.
Todo e qualquer obra precisava pelo visto dos auto-intitulados “tutores da ordem pública”
A chamada MPB era um dos principais alvos da ‘zelosa’ tesoura.
Compositores como Chico Buarque de Holanda, por exemplo, não conseguiam passar nem se fizessem uma cantiga de roda. Os tais já estavam de sobreaviso: o que pintasse por ali, assinado por Chico, era pra ser vetado – e não havia choro, nem vela.
A tal ponto que Chico chegou a gravar um disco só como intérprete, Meus Caros Amigos. A bem da verdade, o compositor inventou um heterônimo, Julinho da Adelaide, que assinou a notável “Chame Um Ladrão”, uma das faixas mais tocada do disco que fez enorme sucesso.
Depois que os homens descobriram a farsa e o vacilo, aí que o caldo engrossou de vez.
Chico era persona non grata ao Sistemão.
II.
Houve uma inevitável entressafra em termos de composição.
Chico fazia seus shows, cantava velhos sucessos; mas, nada de canções inéditas para a gravação de um novo elepê.
O fato atemorizava a direção da Philips/Polygran. Seus produtores andavam desalentados com a produção do artista. Chico não aliviava – e era óbvio que, naquela toada de composição, os vetos seriam inevitáveis.
III.
Certa tarde, o produtor Manoel Barenboim, que conhecia Chico desde os tempos em que cursava a Faculdade de Arquitetura em São Paulo, recebeu um telefonema de Chico ansioso para lhe mostrar a nova canção que fizera.
Era para Barenboim largar tudo o que estava fazendo e encontrá-lo na mesma hora.
Barenboim foi até a casa de Chico e lá encontrou o compositor, ao lado de Vinicius de Moraes, já de violão em punho para lhe mostrar a recém terminada “Apesar de Você”.
O produtor desconfiou que era uma roubada.
Enfim…
Diante do entusiasmo do autor e até do Poetinha, topou gravá-la no dia seguinte – o que foi feito ainda com alguma desconfiança.
Mesmo assim, mandou prensar os compactos simples enquanto aguardava o veredito da censura.
No que eles autorizassem, o disquinho iria para a rua no mesmo instante.
*amanhã continua…