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Aquele senhor e o adeus da Ford

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Aquele senhor ali, no balcão da padaria…

Aquele senhor, eu o conheço de outros carnavais. Eu o entrevistei em tempos idos. Trabalhava na Ford Ipiranga e era da comissão de operários que lutou em vão contra o fechamento daquela unidade “histórica”, como eles próprios, os ‘companheiros’, diziam. Foi uma das pioneiras da indústria automobilística no Brasil.

Quando foi isso, meu Deus, o fechamento da Ford Ipiranga.

1999. Lá se vão 20 anos.

Até escrevi uma crônica sobre o triste fato.

Chamava:

Acordo entre FHC e ACM detona Ford Ipiranga

Consideremos, pois, aquele senhor, algo robusto, ar cansado, agora está parado, ali, na calçada diante da padaria na manhã ensolarada de domingo.

Ele tem algo que nos é familiar nesses dias atarantados. Um olhar errante pelos arredores da vida a fingir indiferença; outro tanto, ao desamparo.

Não há nada de especial na cena:

Um homem em frente à padaria, a sacola de pães nas mãos. Sem pressa nenhuma de voltar ao lar doce lar.

Na pracinha em diante dele e da padaria, há uma igreja e, lá dentro, fiéis assistem à concorrida missa das 10.

De lá sai uma cantoria grossa. Se não é das mais afinadas, causa certa animação pelos arredores. Algumas pessoas permanecem do lado de fora do templo. Não sei se por falta de lugar lá dentro ou se pelo calor que passa dos 30 nessa região da cidade onde moro, São Bernardo do Campo.

Metalúrgico, ele também deve residir por aqui.

Será que o cidadão espera alguém?

Um amigo, quem sabe?

Lá, nos antigamente, em tempos pré-cibernéticos, os amigos marcavam de se encontrar, nas manhãs de domingo, em bares, padarias e congêneres.

Faziam o que hoje chamamos de ‘esquenta’ para o almoço em família e a tarde de futebol.

Falavam de políticas, de mulheres, de futebol, óbvio. Contavam suas prosas e viravam umas e saudavam o dia sem compromisso. Só no bem-bom.

Não sei se o costume ainda vinga, não sei.

Talvez o nosso personagem só esteja fazendo hora até o fim da missa.

Quer ver o movimento à saída da celebração.

Talvez tenha, ali, um parente que toque violão e cante no coro da igreja. Um neto, quem sabe? Um netinho que é o xodó. E o vovô fique, ali, marcando o ponto, e se deliciando em ouvi-lo.

Se fosse eu o “coruja”, acho que faria o mesmo.

Ou não?

(Se bem me conheço, seria capaz de ficar costa para o celebrante na hora da cantoria, só para olhar, frente a frente, o meu garoto.)

Sabem o que agora me ocorre?

O cabrão deve estar  aposentado, é mais um desses metalúrgicos aposentados que existem aos montes pelo ABC paulista e escreveram, com bravura, denodo e coragem, a história recente deste lugar e deste País, hoje, infelizmente sem rumo.

Pode estar por ali a matutar sobre a malfadada Reforma da Previdência ou sobre o fechamento da fábrica da Ford na cidade que vai jogar no desemprego milhares de companheiros ainda na ativa.

Como disse, ele trabalhou na Ford do Ipiranga. Provável que tenha feito sua vida ali – e agora, com a notícia, veio esse aperreio.

É um homem solidário.

Bobagem ficar elucubrando histórias sobre o senhor que sequer conheço mais amiúde.

Pode estar ali, só por estar, fazendo hora – e a pensar no que viveu e no que deixou de viver.

Ah, essas manhãs de domingo. Por vezes, não são nada confortáveis. Especialmente depois de certa idade, deixam a gente com a alma abalroada pela saudade e pelo desalento das coisas que se perderam.

Enfim.

Consideremos que hoje é segunda e a vida retoma o curso natural, repleta de compromissos e desatinos que eu e o senhorzinho de frente da padaria nunca destrambelhamos imaginar.

Nossa geração acreditou que era um caminho sem volta. O Brasil de todos os brasileiros.

O elo se rompeu em algum ponto.

Mas, o sonho continua…

Acreditem!

Podem podar que a gente brota.

 

Foto: arquivo pessoal

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