O Vô Carlito tinha uma frase lapidar para os meus devaneios de moleque:
“Mente vazia, é oficina do Cão. ”
Ichi!
(…)
Achava que o Vô pegava pesado com minha mania de largar-me no chão da varanda e ficar olhando o movimento das nuvens. As formas que engendravam. De bichos, figuras, pessoas, monstros e anjos.
Lembro a frase porque hoje, tantos anos depois, me sinto um tanto assim. Ao contrário daqueles idos, quando ousava sonhar com um prestigioso futuro, agora me espanta os caminhos que temos pela frente.
Ando cético.
É bem verdade que troquei o vagaroso arrastar das nuvens pela tela brilhosa do computador.
Enquanto vagueio por notícias terríveis e e-mails, penso nos compromissos que tenho e resolvo adiá-los por não sei quanto tempo. Letárgico, estaciono minha vontade de tocar as coisas no vazio do nada fazer.
Eis o perigo…
Rumino uma sensação de ausência. Vazio de corpo e alma.
(…)
Leio no Portal de Notícias que o nosso Chico Buarque acaba de ganhar uma láurea importante de literatura na França (Prêmio Roger Caillos) “pelo conjunto da obra”. Está entre os grandes. Mario Vargas Llosa ganhou em 2002, Alberto Manguel em 2004, Ricardo Piglia em 2008, Roberto Bolaño em 2008 e o também nosso Haroldo de Campos no longínquo ano de 1999.
Não faz muito e encantei-me com a leitura de “O Irmão Alemão”, o mais recente livro de Chico. Uma narrativa deliciosa, inventiva, a embaralhar ficção e realidade.
O Brasil deveria redescobrir Chico Buarque. Seria como uma tomada de consciência. É um dos nossos gênios da raça. Entendo, no entanto, que, dado ao panorama que hoje vivemos (e as notícias na tela mostram bem isso), o País hoje esteja mais para redescobrir o alerta do saudoso Bezerra da Silva, especialmente na esfera pública:
“Se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão. ”
(…)
Brincadeiras à parte, outra lembrança, de um amigo querido, dos tempos da redação de piso assoalhado e grandes janelões para a Bom Pastor, me surge agora como parâmetro para a situação.
O grande Nasci, nosso mentor intelectual e etílico, foi convidado para um bota-fora daqueles de arrepiar a madrugada.
Desconversou:
“Não, obrigado”, disse. “Fiquem à vontade. Divirtam-se. Da minha parte, confesso que já vivi os meus melhores momentos”.
Não entendemos – nós, jovens e inconsequentes repórteres – a sapiência do amigo mais vivido. Há um tempo certo para tudo e para todos.
Talvez esse tempo não tenha visto o Brasilsilsil passar…