foto: L. Cunha
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Sexta pela manhã, acordava e, antes de ir para a velha redação de piso assoalhado, passava no apartamento dos pais para tomar um café reforçado.
Era praxe a cena:
Jornal na mão, o pai lia em voz alta a coluna que eu escrevera naquela semana. A mãe já estava com a visão esmaecida – e, lá do jeito dela, se fazia interessada no assunto.
(Tenho lá minhas dúvidas.)
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Ao final, o Velho Aldo se mostrava orgulhoso do filho jornalista e levava o jornal para compartilhar com os amigos da padaria, do ponto de táxi, da barbearia, fosse onde fosse.
Dona Yolanda era mais lacônica no comentário.
– Não adianta, filho, as pessoas só enxergam e ouvem o que querem. São distraídas e surdas para o que não querem. Tente entender o lado que não é o seu.
Desconfio que a mãe, em sua simplicidade, já previa o fenômeno da “bolha” que hoje vivemos.
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Não foram poucas as vezes que ouvi sábias palavras daquela senhorinha miúda, de cabelos branquinhos, branquinhos.
Por vezes, parecia ranhetice de mãe:
– A pessoa só se coça quando mexem no seu bolso.
E outra?
– Agir por ressentimento não dá camisa a ninguém.
(Podemos entender agir por ódio, por vingança, essas doidices.)
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A mãe era uma dona de casa das antigas, dessas em extinção (feliz ou infelizmente, a gosto do freguês ou do politicamente correto) que vivia para o marido e os filhos e ia muito pouco além do chamado núcleo familiar.
As coisas que dizia, portanto, não tinham o tal matiz ideológico, político, econômico. Eram um olhar sobre o cotidiano, a vida mais comezinha, a vida real.
Mas, vejo hoje, muitas das considerações que fazia seriam bem oportunas, aplicadas aos nossos dias nos mais diversos setores da sociedade:
– Dinheiro e poder, dizem, não trazem felicidade. Mas, movimentam o mundo.
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Dona Yolanda não era ambiciosa.
Queria mesmo era viver em paz – e acho que, na fase final da vida, conseguiu a proeza.
Não sei bem o motivo que me trouxe a essas linhas, a essas lembranças. Olhei o noticiário, conferi o que havia de novo no celular, liguei e desliguei a TV – e vim para o computador com outra certeza que a mãe dividia com a gente:
– Tem que confiar desconfiando.
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Desculpem aí, se estou sendo deselegante com este ou com aquele, se não vejo e não defendo o lado deste ou daquele. Sei que vivemos na tal bolha, num tempo de intolerância, em que a opinião (abalizada ou não) se põe acima da verdade factual; num tempo em que se aperta o botão do DANE-SE e vida que segue.
Mas, convenhamos, as perguntas estão pela aí, soltas no pesado ar que respiramos. Da Amazônia devastada aos engomadinhos do pour-point no sul do País. Da base de Alcântara no Maranhão entregue aos americanos aos alegres acionistas da Taurus:
Será que estávamos tão cegos e surdos – e assim continuamos – quando não enxergamos o óbvio da corrida eleitoral?
De olho arregalado no vil metal e no tal poder (que bem pode ser uma vaga no STF), não tínhamos a exata noção do que lacrávamos nas urnas?
Será que fomos tão ingênuos assim a ponto de confiar todas as nossas esperanças em quem sempre apostou no retrocesso?
E têm outras e mais outras. Perguntas não faltam. Muitas, todas.
Paro por aqui.
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Vejo muita gente que ainda duvida do que lê e ouve sobre os malfeitos da Corte em Brasília:
– Não é possível, é intriga – dizem.
– Não deixam o homem governar.
Outros, enfim, perceberam a canoa furada que embarcaram e nos levaram juntos.
Dizem-se janainamente arrependidos, que não sabiam e isto e aquilo e aquel’outro.
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Dona Yolanda, que a saudade e a vida me fazem referenciar nesta manhã de sexta de desjejum descafeinado, teria a frase certa:
– Arrependimento é bom quando é sincero. E não fica só no palavrório.
Mais uma pra terminar:
– Reze, filho, reze. E vá… Se dê ao trabalho que não há mal que sempre dure….
O que você acha?