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Belchior, 70 anos

De lugar incerto e não sabido, o amigo Escova me encaminhou um e-mail, com um alerta: “amanhã, 26 de outubro, o grande Belchior completa 70 anos. Merece registro no Blog. Não esqueça!”

Ops.

Cabecinha oca que sou, esqueci.

Mas, para evitar qualquer constrangimento diante do amigo e do compositor que admiro, trato hoje de registrar o que ontem deveria ter feito.

Antes, porém, um adendo:

Há uma similaridade entre o amigo Escova e o quase-amigo Belchior. Por razões distintas, ambos caíram fora do país e não estão, ao que consta, nem aí para a saudade dos fãs (no caso do cantor e compositor cearense) e dos amigos (caso específico do parceirinho querido de tantas jornadas na velha redação, o Escova).

Enfim, sigamos em frente…

II.

A obra de Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes é seguramente uma das que melhor retratou os jovens do Brasil naqueles conturbados anos 70 e parte dos 80.

Falo especificamente das angústias, sonhos e amores do pessoal da minha geração. Nós o tínhamos como o Bob Dylan nativo. Fazíamos de suas canções dolentes, com versos discursivos e sensíveis, a trilha sonora de luta e esperança em meio a um período obscuro dilacerado por uma ditadura tosca que não dava sinais de, tão cedo, se encerrar.

Sua estreia na Polygran, com o disco “Alucinação”, surpreendeu positivamente a críticos e ao grande público. A voz rouca, anasalada, enfileirou um punhado de sucessos – “A Palo Seco”, “Alucinação”, “Velha Roupa Colorida”, “Apenas Um Rapaz Latino Americano”, “Paralelas”, “Galos, Noites e Quintais” e o hino “Como Nossos pais”, entre outros – que nos fez acreditar em dias melhores e até mesmo na ainda remota redemocratização.

III.

Entrevistei Belchior diversas vezes nesse período.

Certa noite, ele me encontrou com o pessoal jornal no restaurante Gigheto (comemorávamos não sei bem o quê) e foi à nossa mesa agradecer a reportagem que eu havia feito semanas atrás sobre o novo disco e show.

Fiquei sem graça, mas com a moral lá em cima com a rapaziada.

– O cara é amigo do Belchior, diziam.

E eu todo-todo, por uns tempos andei com aquele olhar morno e indiferente de quem não está nem aí para os reles mortais que não eram da ‘tchurma’ do Belchi.

IV.

Anos depois, em 2003/2004, fui entrevistá-lo com um grupo de estudantes para um trabalho de conclusão de curso que falava exatamente da MPB como peça de resistência nos idos da década de 70 (o livrorreportagem “Viver É Melhor Que Sonhar”).

Achei que impressionaria a meninada, assim que Belchior me reconhecesse. Ele nos recebeu em sua casa/ateliê, repleta de quadros de diversos pintores, nas imediações do aeroporto de Congonhas. Disse que preparava uma exposição de artes plásticas na Alemanha e, mesmo assim, arranjou um tempo para nossa conversa.

Imaginei que os estudantes creditariam ao prestígio do professor tamanha deferência.

V.

Ledo e ivo engano.

O homem falou por hora e tanto e sequer me reconheceu.
(O tempo é implacável, meus caros. Cabelos ralos, acinzentados, barba, alguns muitos quilos a mais.)

Como me reconhecer?

Mesmo assim, à saída, Belchior me olhou firmemente e, enquanto eu pensava “é agora”, ele me disse, com gentileza:

– Suas feições não me são estranhas.

Antes da minha resposta, ele fez pose de sabido e brincou:

– Você é parente do Walter Franco (cantor/compositor dos anos 70, autor de “Cabeça”, “Serra do Luar”, “Vela Aberta” entre outras canções consideradas experimentais)? Lembra muito, já lhe falaram?

Fiz que não com a cabeça, e preferi não comentar com meus orientandos que um dia, lá no passado, eu fui um quase-amigo do grande Belchior.

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