Desde a mais tenra idade, ouço dizer que existem.
Acho que foram meus próprios pais quem delas me falaram pela primeira vez. Ou terá sido minhas irmãs, ávidas por encher de fantasia a cabeça do irmão caçula?
Enfim…
Eram tantas e tamanhas as tais proezas que, posso lhes dizer agora, houve um tempo que preferia nem ouvir falar das mesmas.
Verdade.
Suas representações em livros e enciclopédias ilustradas lançavam mais temores do que, a mim, esclareciam.
Cresci – e acabei me esquecendo do mito e dos medos.
Não me recordo se cheguei a vê-las, ao vivo e em cores, em algum zoológico da vida.
Certamente, se as vi, não me causaram tanto impacto como agora aconteceu.
Fiquei assim estarrecido. E disse para mim mesmo:
— Ah! É daí que vem a tal história, então. Faz sentido. Faz sentido…
Me desculpem o delírio.
Estou aqui a tergiversar com o teclado e a tela – e mal lhes informei de quem estou falando. Devem mesmo me achar um tantã. Não lhes tiro a razão.
Falo das cegonhas. Pois é, delas mesmo.
Em penas, bicos, carnes, ossos, pernas longas – e ninhos que, aliás, são enormes e estão lá nos pontos mais altos, junto às cúpulas e as torres das catedrais e castelos da Espanha.
A cena era comum em pelo menos quatro cidades que visitei: Segóvia, Ávila, Salamanca e Valladolid.
Ao que pude observar, as cegonhas têm uma predileção especial por igrejas.
O fato talvez reforce a lenda de que são as responsáveis pela chegada das crianças ao mundo. Na verdade, nem sei se os pais ainda usam esse folclore para explicar o inexplicável. No entanto, ao vê-las, em pares, a supervisionar o ninho que parece um cesto de palha, com bojo arredondado –, reforça-se o conceito de família e dá mesmo para acreditar que são as mensageiras do futuro.
Os turistas se encantam com a cena. Dá-lhe flashs e fotos. A fêmea mais próxima ao ninho e o macho, em alerta, não distante dali. Lá no alto. Às vezes, se põe a desafiar o vento e os rigores do inverno e equilibra-se em uma só perna na ponta mais fina "agulha" da torre que se projeta para o céu. Vigia, intrépido que é, a tranqüilidade do lar doce lar.
Repito. Dá até para acreditar: são os primeiro seres terrestres a nos levar no bico.
Depois, vale reconhecer, crianças ou não, vida afora nos acostumaremos com a sina…