Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

Boleiro (3)

Antes mesmo que o pai o acordasse como fazia todos os dias, o menino estava de pé, uniformizado para as aulas da manhã do Colégio Nossa Senhora da Glória. O pai entendeu o motivo — mas, como de costume, nada disse sobre o assunto.

— Tome logo o café. Hoje você terá um longo dia.

As aulas do Irmão Fidélis passaram modorrentas. Mal se dava o trabalho de anotar o ponto do dia. Olhos fixos e sonhadores no lento caminhar dos ponteiros. Contava os minutos no enorme relógio pendurado na parede logo acima dos retratos do Sagrado Coração de Jesus, da Virgem Maria e do então Beato Marcelino Champagnat. O professor notou a ausência do garoto e, em várias ocasiões, chamou sua atenção.

— Em que mundo você está, rapaz?

Ele não preferiu não dizer. Imaginava-se no gramado do velho Palestra Itália a desarmar atacantes, a dar carrinhos, a cabecear todas as bolas que alçassem sobre a área… Ali estava o verdadeiro anjo da guarda da defesa. Gostava de ouvir os mais velhos dizerem que era um zagueiro de recursos técnicos limitados, mas vigoroso e implacável.

Aliás, foi essa fama que convenceu o diretor do Palmeiras a falar com o pai do moleque sardento e decidido. Dr. Orlando, como era conhecido, tinha o filho estudando na mesma escola e, ao participar de uma solenidade religiosa na manhã de domingo, ficou para ver a seleção do Colégio. No jogo, o garoto se sobressaiu. Não era o melhor do time. Mas, tinha uma vontade…

Depois das aulas da terça, o menino mal almoçou. Trocou o uniforme da escola por uma roupa comum, embrulhou as chuteiras gastas num saquinho de pão e foi para o ponto de ônibus esperar o Fábrica-Pompéia. A linha passava em frente aos portões do Parque Antártica. O pai deixou o dinheiro da condução sob o rádio da sala. Foi sua forma de dizer “força, filho”.

Era um homem de poucas palavras, como disse.

Andou rápido e torceu para que o ônibus chegasse logo. Não contou para nenhum amigo a novidade. Queria lhes fazer uma surpresa. Seria a notícia do ano na rua Muniz de Souza e adjacências.

Também se não desse certo, não precisaria “inventar” qualquer desculpa…

Que triste! Mas, podia acontecer.

Tratou de tirar essa idéia ruim da cabeça.

Enfim, agora era com ele…

Verified by ExactMetrics