Não sejamos rudes com o garoto neste capítulo final da história. Nos portões do Parque Antártica, com um par de chuteirinha chumbrega embaixo do braço e todos os sonhos do mundo na cabeça, as pernas do garoto bambearam. Lembremo-nos que tem entre 13 e 14 anos.
Está sem graça de tudo.
Tenta avançar os 20 metros que o separam da entrada principal e as ditas-cujas agora pareciam pesar uma tonelada. Estranha o início de pânico. É provável que tenha pensado:
"O que está acontecendo comigo?"
Tal pensamento é seguramente esquartejado pelo baticum descompassado do coração. Alguns garotos mais fortes e maiores o ultrapassam. Andam céleres e em grupos. Todos se conhecem e conversam em alto e bom som. Brincam, riem. Atravessam o portão na maior. Dão boa-tarde ao porteiro e somem engolidos pelo grande portão de ferro. Devem ser os afortunados jogadores das equipes amadoras do Palmeiras.
Tudo o que ele queria ser.
Tentemos entendê-lo, gente.
Os olhos turvam – e a realidade se faz magnânima a três passos da entrada, onde o mesmo senhor de terno azul marinho e quepe, que sorrira para os garotos, agora lhe olha desconfiado.
Não tem chance. Arrasta-se para chegar à portaria. Se está assim agora, imagine o vexame que daria em campo?
Balança a cabeça a espantar suas inquietações.
Mesmo assim caminha e enfrenta a grandeza do momento.
Diz baixinho para ele mesmo, mas com muita fé.
— Seja o que Deus quiser…
Tira do bolso o cartão amarfanhado, mostra para o homem a balbuciar palavras desconexas.
— Eu… teste… infantil… O doutor Orlando falou…
Já está no meio da catraca, super sem jeito, quando ouve a voz do porteiro.
— Pode voltar, garoto. Pode voltar. O infantil só treina na quinta…
Querem saber? O garoto sentiu um baita alívio.
Vá entender…
No dia seguinte, ainda está sob o topor da aventura vivida. Mal sabe ele que viverá uma sensação idêntica: um misto de alívio e decepção.
O pai chega com o Diário da Noite debaixo do braço. Vem almoçar e traz um risinho divertido sobre o bigode aparado e fino.
Abre o jornal na página de Esportes e mostra a manchete ao filho.
“CAI O DIRETOR DE FUTEBOL DO PALMEIRAS”
Ou seja, aquele cartãozinho, na ordem das coisas, não vale mais nada. É o fim da sua carreira de boleiro profissional. E o início de outra. No fundo, nem ligou. Aprendeu. Vale mais a versão do que fato em si.
A todos os garotos da rua, mostra o cartão do homem e a manchete do jornal, acompanhados da mesma fala:
— Olha aí, rapaziada. Vejam o azar que eu dei. Já estava tudo certo para eu ir jogar no Palmeiras.
O menino virou ‘contador de histórias’ e boleiro nas horas vagas. Sempre a lembrar o dia em quase foi contratado pela gloriosa Società Esportiva Palestra Itália.