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Bracelete de cristais *

* Conto de Natal

Era uma vez…

(Porque assim deveriam começar todas as histórias, especialmente as de Natal)

… três primas, filhas de três jovens rapazes também primos entre si e sobrinhos de um rapaz não tão jovem assim.

Vamos chamá-las de Yasmin, Laila e Tainá.

Tinham respectivamente treze, doze e onze anos e eram muito amigas. Assim como os pais e as esposas dos pais, os pais e a mães dos pais que eram os avós e irmãos e irmãs do tio, que pouco viam porque morava em outro país.

Yasmin, Laila e Tainá sempre ouviam falar daquele homem; que também chamavam de tio, mas para elas era um estrangeiro. Às vezes, chegavam mesmo a duvidar do que ouviam. Ele sempre estava envolvido em aventuras estranhas. Ora seguia em peregrinação pelo Caminho de Santiago de Compostela, ora percorria a Costa Malfitana para flagrar o por do sol sobre Mar Tirreno, ora perdera-se, bêbado e trôpego, pelos becos da Boca em Buenos Aires a morrer de amores por uma bailarina de tango.

“Que sujeito estranho”, cochichavam entre si.

Sabiam apenas que era repórter. Mas, não do tipo desses que aparecem na TV. Pelo que os pais davam a entender, ele vivia do que escrevia, das histórias que gostava de contar.

Um dos avós, que era pai de um dos pais e irmão do tio, tinha outra opinião e não a escondia de ninguém:

— Ele escreve para viver.

Todos riam – e davam razão ao velho que tinha o coração despedaçado de saudades do irmão errante. Era o que mais sentia sua ausência. Mas, não movia uma palha para tira-lo do seu destino.

Apenas repetia:

— Ele escreve para viver.

Mas, quando insistiam, acrescentava:

— Por isso ganhou o mundo atrás de novas histórias. Um dia ele volta…

II.

Foi o que aconteceu numa antevéspera de Natal. Ele chegou com uma mochila de presentes e novidades. Trazia também uma certa tristeza no olhar, embora o riso continuasse a iluminar aquele rosto vivido e, muito melodicamente, a pontuar a sua fala.

— O que teria acontecido ao meu menino? P

Foi a pergunta que a mulher do avô fez para o avô que tão bem conhecia o irmão e tio.

— Ora o que sempre acontece e o traz de volta, remedou o marido, avô e irmão mais velho e mais achegado.

Yasmin, Laila e Tainá ficaram alvoroçada para rever o tio – que, na verdade, mal conheciam, pois ainda eram crianças de tudo quando ele partiu a primeira vez e, depois, outra e mais outra e outra mais.

III.

O desejo de Yasmin, Laila e Tainá, assim como o de todos na família, foi satisfeito na noite do dia seguinte, quando se encontraram na casa assobradada do tal avô numa rua tranqüila de São Paulo. Como fazia anualmente, desde a morte do pai do avô e do tio jornalista, era ali que se reuniam para celebrar o Nascimento de Cristo. Só que, desta vez, estavam animados pela presença e rara do ilustre personagem e suas histórias mirabolantes.

A alegria parecia maior e ele não se fazia de rogado:

— Em Brugges, entrevistei uma linda feiticeira, uma cigana Fiquei encantado ao primeiro olhar. Ela leu a minha mão e roubou o meu coração. Ela era formosa, tudo o que eu sempre quis para sempre…

Também não havia como não se encantar com aquela prosa, regada a vinho, doces lembranças que ele encadeava tão bem. Da cozinha, onde a ceia estava sendo preparada no maior capricho, escapava um cheirinho bom e tentador.

E assim os minutos voaram como sempre voam velozmente quando estamos felizes.

IV.

Chegou, então, a hora dos presentes – e houve algum constrangimento. Só então deram contas de que, sob a árvore de Natal, nada havia para o viajante.

Ele, ao contrário, presenteou a todos com livros que eram coletâneas de seus melhores escritos. Uma forma de dividir com os irmãos, sobrinhos e amigos os passos que deu e fizeram o caminho do repórter mundo afora.

Em cada exemplar, uma dedicatória amorosa e personalíssima.

Alguns se espantaram com o que liam e perguntavam:

— Mesmo tão distante, como ele nos conhece tão bem?

Ele ria e não perdia a chance de mostrar bom-humor.

— Porque levo vocês dentro do meu coração. Tenho sempre um de sobressalente desde que aquela cigana roubou o meu verdadeiro coração.

V.

Yasmim, Laila e Tainá foram as últimas a serem chamadas pelo tio-avô, que mais parecia irmão dos seus pais.

Para elas, não havia livros, não havia embrulhos.

Qual seria a surpresa?

Num hábil gesto de magia, estalou os dedos e surgiu, rebrilhante, um bracelete de cristais miúdos que, mesmo à noite, parecia refletir a luz do sol. À claridade do dia, não seria impossível àqueles prismas recender ao clarão do luar.

Todos embeveceram diante da visão.

Mas, uma pergunta ameaçou toldar o momento:

— A quem daria aquela preciosidade?

Eram três as garotas e apenas um o bracelete.

Chamou as meninas para junto dele.

Fingiu ascultar o coração acelerado de cada uma delas. Viu seu rosto refletido no olhar saltado das meninas. Sorriu e brincou com a dúvida que ora viviam:

Quem seria a escolhida?

E por quê?

Intimamente, desconfiavam não ser merecedoras de tamanho mimo.

Os pais também se mostraram apreensivos. Fosse quem fosse a eleita, a harmonia daquele momento estaria severamente comprometida. Uma se julgaria melhor por receber algo assim tão valioso. As preteridas, por certo, ficariam tão decepcionadas que entristeceriam o Natal.

Temeram pela decisão do irmão…

VI.

Todas as sombras se dissiparam em outro lance de pura destreza.

O homem transformou o bracelete em três finas e delicadas pulseiras com novo estalar de dedos. Tinham apenas uma volta e milhares de pontos de luz.

Os cristais agora pareciam com outros tons, mas permanecia o brilho peculiar. Menos intenso talvez, mas igualmente belo, indizível.

Um oh! de surpresa cortou a sala quando ele curvou-se elegantemente para enfeitar o pulso de cada uma das meninas com a jóia, como se estivesse a reverenciar três princesas.

Só então se pôs a falar:

VII.

“O que vocês imaginaram, queridos?

Que eu cometeria a extrema indelicadeza de magoar duas dessas crianças que vocês me presentearam como sobrinhas e, em conseqüência, a muitos de vocês?

É natural o zelo de vocês.

Não os critico, pois somos assim quando estamos diante de uma benção prestes a nos agraciar. Somos assim diante dos sonhos mais tenros quando ameaçam se tornar realidade. Duvidamos de nós mesmos, se somos merecedores, se somos capazes.

Depois passamos a duvidar das pessoas ao redor.

Assim se falharmos, elas serão as responsáveis porque trabalharam contra o nosso projeto.

Uma grande bobagem quando trazemos a certeza do Deus Menino em nossos corações.

Que hoje Ele renasça em cada um de vocês.”

VIII.

“Que vocês não precisem ganhar o mundo, como um tuareg solitário, para entender que a felicidade sempre está ao nosso redor.

E se alimenta e nutre da luz que emanam de nossas boas ações.

Somos assim, como os ínfimos cristais daquele bracelete. Juntos, formamos uma peça só, uma jóia rara e única, criada pela divina ação do Maior de Todos os Artistas. Individualmente, temos nosso brilhareco – fluído, tênue, frágil. Mas, quando reunidos, somos capazes de iluminar os quartos do universo…

Assim somos nós, neste momento, ao lado de quem amamos; amigos e familiares.

Assim forjaremos uma Humanidade mais digna e responsável.

Não há lugar para injustiça enquanto o Menino Deus estiver conosco.”

IX.

Neste momento, o viajante se calou.

Mesmo sorrindo, o semblante se fez triste por segundos – como a lembrar alguém que o encantou e se perdeu nos desvãos do mundo. A cigana, talvez.

Foi para ela que encomendou o bracelete ao amigo Swarovski, pensou o avô e irmão.

Só não entendeu o porquê não conseguiu entregar a jóia à mulher amada. Mas essas coisas são como são. Foram feitas para serem vividas e não entendidas. Conhecia o irmão, hábil em fazer do limão da vida doces limonadas. É certo que pediu ao amigo ourives que transformasse a preciosidade em três lindas pulseiras para as meninas e inventou aquela cena e o discurso para impressionar a todos.

— Meu irmão é mesmo um grande contador de histórias.

Os sinos da igreja ressoaram, então. Era meia-noite.

Hora de renascer…

(Porque assim são as verdadeiras histórias de amor. Nunca terminam. Transformam-se em luz a clarear novos caminhos.)

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