Atendo hoje ao pedido do amigo Walter da Silva, com quem trabalhei nos mais antigos dos anos na Redação da então combativa Gazeta do Ipiranga. Hoje, o Waltão está no ABCD Jornal e, dias desses, veio me visitar aqui, na Metodista.
O amigo me convenceu a replicar aqui a crônica que escrevi e publiquei em 7 de agosto de 1981. Segundo ele, o texto retrata ainda hoje a cara e o jeito do brasileiro ao enfrentar os desafios diários – e, por vezes, desoladores, como a morte do menino João Hélio.
Expliquei:
— “Uma Velha História” já está disponibilizado no site, pois faz parte da coletânea “Às Margens Plácidas do Ipiranga”, lançada em 1997.
Mas, ele foi taxativo.
— No blog, dá mais visibilidade, vai por mim…
Como amigo não pede, manda. Então, vamos lá….
II.
UMA VELHA HISTÓRIA
(Ou: Será que o sábio malandro tem sempre razão?)
Conta-se que, certa vez, numa pequena aldeia, existia um bem sucedido senhor.
Por mais que arrecadasse em suas múltiplas atividades, não abria mão de qualquer verba para melhorar as condições de sua família.
Registre-se, a bem da verdade, formada por mulher, quatro filhos, sogro, sogra e um cunhado solteirão – todos devidamente acomodados (não sei se o termo é bem esse, mas…) numa modesta casa de sala, quarto e cozinha.
Todas as manhãs, quando partia para o trabalho, ouvia as desconsoladas lamúrias dos seus. Eles reclamavam que aquilo não era vida, que precisavam sair daquele “buraco”, que podia pensar mais na família e coisa e tal.
No finzinho da noite, ele chegava dos negócios, nem sempre bem humorado – diga-se, e novamente o coral das lamentações atacava implacavelmente.
Diga-se também que poucas vezes em consonância com sua rala dose de paciência. Determinado dia, cansado dos reclamos, foi visitar um amigo, tido e havido na região por sua sapiência e malandragem.
Contou todo o drama de ser incompreendido – e o que ouviu, como resposta, o deixou atônito!
– Compre um bode e amarre na mesa sob o televisor, de modo que o animal movimente-se por toda a sala. E seus problemas vão acabar logo logo. Desconfiou a princípio. Mas, depois, achou conveniente seguir os conselhos do sábio-malandro.
— Afinal, não posso perder meus privilégios , segredou aos botões.
Dia seguinte, lá estava ele. Trazia consigo um portentoso exemplar de bode catingueiro. E cumpriu todas as determinações do amigo.
Obviamente, na casa, a chiadeira aumentou consideravelmente. Tomou-se insuportável. O cunhado, que dividia parte da sala com o novo hóspede, era o mais desalentado.
Ao cabo de 30 dias, o próprio senhor já não agüentava nem ouvir falar no bode. As pressões vinham de todos os lados – até do filho mais novo. Voltou a confabular com os botões. E resolveu consultar o sábio-malandro.
Outra resposta taxativa:
— Livre-se do bode!
Foi o que fez na manhã seguinte. À noite, de volta do labor, preparou os ouvidos para a audição de conhecida cantilena. Ledo engano. Em casa estavam todos felizes, inclusive o cunhado ranzinza.
Suprema glória. Todos o saudaram com entusiasmo pela decisão. Agora sim poderiam viver tranqüilos naquela agradável moradia. E assistir a novela das oito, sem comentários e exclamações inoportunas.
Enfim, o sábio-malandro tinha mesmo razão.
Esta breve história, permita-me caro leitor, tem em sua essência muito a ver com o dia-a-dia de nossa gente. Também aqui sempre que reivindicamos “melhores condições de vida”, acabamos topando com “bodes” de bom tamanho como desemprego em massa, aumento de combustíveis e, conseqüentemente, do custo de vida, majoração das taxas da Previdência Social, aposentadoria só aos 60, 65 anos etc. Bodes brabos, mesmos.
Por isso, quando ficamos livres de alguns deles – nem precisa ser de todos, acrescente-se – damo-nos por satisfeitos. E agradecemos penhoradamente a mão que os levou embora. Seguimos, assim, felizes à nossa maneira nesse País “abençoado por Deus e bonito por natureza”.
— Afinal, podia ser bem pior, há sempre alguém a lembrar.
Mas, será que o sábio-malandro tem sempre razão?
III.
Um adendo que se faz oportuno:
Não sei se sábio-malandro tem sempre razão. Mas, o Walter, sim. Principalmente quando diz que o texto – troque essa ou aquela questão – tem lá sua atualidade. Por aqui, continuamos a fazer de conta que almejamos tudo mudar. Mas, na verdade, queremos mesmo é que tudo permaneça como está.
Ainda mais agora. É véspera de Carnaval, gente. Dá para esperar? Claro! Depois a gente vê o que faz. Dá um jeito na coisa toda. Mas, olhe: temos a Semana Santa – e aquela viagem já programada? Não vamos ser estraga-prazer, por favor.
E assim caminha a brasilidade brasileiramente Brasil.
Esquindô. Esquindô. É Carnaval!
Sapucaí. Camarote da cerveja. Axé.
Bahia, terra da felicidade…
Mensalão, Buraco do Metrô..
A barbárie das ruas. Dossiês e PCC.
Brasil, mostra a tua cara…
A cara infeliz de todos nós…