A recepcionista terminava de preencher o formulário – então, fez a pergunta de praxe.
— Número do celular?
Silêncio.
Segundos depois, a resposta e o comentário.
— Tenho não, moça. Sou pobre.
O homem do corredor ouviu a resposta. Andava de um lado para outro, tinha o semblante fechado e crispava os dentes sempre que consultar o visor do celular.
Interpretou a humildade do rapaz à sua maneira.
Não conseguiu segurar a reflexão que interrompeu a entrevista.
— Você que é feliz, meu caro.
E teve ganas de atirar o pequeno aparelho pela janela do 20º. Andar.
II.
A senhora de 82 anos abriu a porta para o filho que a visita todos os dias antes de ir para o trabalho. Dividem o café da manhã e alguma conversa. Neste dia, era a própria analista política.
— Anunciam com tanto alarde que vão adiantar o pagamento do 13º. para os aposentados. Que é uma mixaria. Agora, tentam esconder, como podem, o dia em que aumentam o próprio salário. Querem que ninguém saiba da gastança…
Quem sou eu para contrariar a dona Yolanda, minha mãe.
III.
De um texto que escrevi sei lá quando, menos ainda sei o porquê lembrei agora:
“Quase sempre, evocar o passado é construir o futuro”.
Me invoquei com esse “quase”…
Desnecessário.
“Evocar o passado é construir o futuro”.