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Caronas e caroneiros

Vamos e venhamos.

Mas, se puderem evitar a carona, evitem amigos leitores, evitem…

Carona é um troço sempre imprevisível.

Acompanhem essas histórias:

I.

Lá pelos idos dos anos 70, o bom amigo Maucir tinha um rebrilhante e fabuloso Fuscão “azul da cor do mar”.

Às quintas feiras íamos para o Diário do Grande ABC, onde era montada e impressa Gazeta do Ipiranga, jornal em que trabalhávamos. Chegávamos cedo. O Maucir até mais cedo do que eu. Ele, de Fusca. Eu, de ônibus.

Não tínhamos hora para “fechar” o semanário. A impressão off-set estava ainda em seus primeiros passos e os imprevistos eram comuns – e sempre à última hora.

Generosamente, então, o Mauça me oferecia carona. Ambos morávamos no Ipiranga. A única ressalva era mesmo o gosto musical do amigo. Não sei bem se era verdadeiramente “um gosto musical”. Sei que o Mauça tinha uma coleção de fitas k7 das ‘baterias’ das escolas de samba do Rio de Janeiro – e, nem bem entrávamos no carro, já começava o gurugudum, gurugudum, gurugudum.

Não tinha fim o gurugudum.

Depois de dez ou doze horas de trabalho, convenhamos só mesmo o grande Maucir para relaxar ao som de tanta animação. Gurugudum, gurugudum, gurugudum…

Era isso ou esperar o ônibus das 4 da manhã, Santo André-Parque D. Pedro, que passava pela rua Manifesto, seis ou sete quadras de distância da casa onde morava na Bom Pastor.

Salve, pois, o gurugudum…

II.

Na arte de “caronar”, amigo Nasci tinha histórias imbatíveis.

Ele gostava de contar sobre uma experiência, digamos, das mais exóticas.

O Nasci não dirigia e só andava de táxi. Daí, ter um vasto repertório.

Para economizar uns trocos, topava qualquer negócio.

Certo dia, aceitou a carona de um ex-jogador de futebol do Palmeiras, o meia Écio, que chegou a jogar no Corinthians e se destacou mesmo quando o Parque da Mooca disputou o Desafio ao Galo.

A curtição do craque não era propriamente o baticum das baterias das escolas do Rio de Janeiro. Ele gostava mesmo de ouvir — e mostrar aos seus caronas — a narração radiofônica dos gols que fez ao longo da carreira.

Uma carona inesquecível, dizia o Nasci.

Entre uma cachimbada e outra, ao lembrar da história, sempre comentava:

— Caroneiro sofre…

III.

Na Redação, todos éramos durangos. Por isso, havia um verdadeiro festival de histórias de caronas. No entanto, a campeã de audiência era contada – adivinhem por quem? – pelo Nasci. Ele jurava que não foi o protagonista – até porque como escrevi lá em cima, o homem não sabia dirigir – mas, segundo dizia, foi testemunha ocular de parte da história.

Aconteceu num carnaval.

O Nasci era diretor social – ou coisa que o valha – do Clube Atlético Ypiranga e todos os anos montava um camarote para a Imprensa. Por lá circulavam ‘deus-e-o-mundo’ além dos repórteres. Naquele ano, para a alegria da rapaziada, circularam também as duas cantoras e bailarinas da banda que não era do Zé Pretinho mas animava a festa.

Uma mais linda que a outra.

Um anônimo repórter de rádio – que o Nasci não quis entregar – foi tomado por súbita paixão por uma das moças. O Nasci cuidou de avisar logo no primeiro dia, com aquele jeitinho Nasci de ser.

— Fulano, não se assanha não. São ‘comidinhas’ do dono da banda. O cara que toca trombone.

O moço não quis acreditar. Jurou para o Nasci que a moça era só sorriso para o lado dele. Tanto que o rapaz fez o que pôde para mudar a escala na emissora. E voltou ao Ypiranga nas tardes e noites de domingo, segunda e terça. Não perdia sequer as matinês. Sempre na mesma ilusão.

Que, aliás, se desfez às 5 de la matina da quarta, quando o último baile terminou. Ele descorçoado viu elazinha ir embora de braço dado com o trombonista.

Ficou que era só tristeza.

Até que viu a outra cantora sozinha à espera de condução na porta do clube.

Generoso que só, o radialista lhe ofereceu carona. A moça prontamente aceitou.

Ele agradeceu aos céus porque, olhando assim de perto, a morena ao lado dava de dez "naquela loura aguada”.

Assim que entraram na avenida D. Pedro, ele perguntou gentil:

— Estou no caminho certo?

Ela respondeu que sim.

— Então, aonde vamos?, perguntou meigamente o rapaz.

Ela:

— Para minha casa… em Itaquera.

Sem constrangimentos, apoiou o rosto na janela e caiu num sono lascado a tirar o atraso de quatro noite ao som de “Mamãe Eu Quero”.

Hora e tanto depois, ao descer, agradeceu o radialista com um beijo no rosto. E assim se foi…

Nunca mais se viram…

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]

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