Promessa é dívida.
Lembram-se que no post de ontem o Peixoto me pediu para que lhes contasse uma história que ele próprio me contara e eu transformei em crônica lá pelos idos dos anos 90?
Pois então…
Não achei a crônica, mas a história é a seguinte:
Lá pelos idos de 60, andava todo faceiro o Peixoto pela rua 7 de Abril, no Centro de São Paulo, e notou que um certo rapaz, todo engravatado, não se acanhou em dar um chute num desavisado cachorro que ousou cortar seu caminho. De imediato, um senhor, que também viu a cena, protestou verbalmente pela agressão ao pobre bicho. À observação mais do que oportuna, o impulsivo moço retrucou com um vôo rasante no pescoço do pobre defensor das minorias irracionais. Socos, pontapés, a turma do deixa-disso. Fez-se o tumulto e uma multidão parou para ver o triste espetáculo.
Como sempre acontece nesses casos, surgiram três alas: os que estavam a favor de que ali não era calçada para cachorro, os que consideravam o brigão mais animal que o próprio e a imensa maioria de curiosos que queria mesmo é ver o circo pegar fogo. Argumentos e contra-argumentos logo se transformavam em discussões que geravam conflitos — e a coisa não tinha fim…
Aos mais jovens convém lembrar que na rua 7 de Abril situava-se a sede dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que reunia alguns dos melhores repórteres da época. E foi exatamente um deles, Carlos Spera (que formou uma trinca famosa na TV Tupi ao lado de Tico-Tico e Maurício Loureiro Gama), que ao se dirigir à Redação percebeu a confusão e foi ver o que estava acontecendo.
Como se dizia à época, a coisa tinha cheiro de notícia.
Os litigantes logo reconheceram o jornalista e o transformaram em mediador da disputa. As observações logo ganhavam contornos de discursos acalorados, alguns inclusive com embasamento filosóficos-pugilísticos. Outros sugeriam que o repórter tratasse do assunto nas páginas do Diário de S.Paulo, o principal matutino da época.
Confiavam na sua pena.
A certa altura, resolveram finalmente deixar o mestre dar seu parecer.
Eis que a turba se pôs em silêncio.
— E então, doutor, qual seu veredicto? – disse um senhor de chapéu, em tom cerimonioso.
Spera foi de uma precisão cirúrgica.
— Falta-me o x da questão.
— Como assim? – espantaram-se todos.
— O cachorro? Onde está o cachorro? Ele é o que realmente interessa. Todo resto não passa de um grande equívoco.