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Chuvas e trovoadas

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Foto: Jô Rabelo

Eita, sô…

Que a manhã está chuvosa e triste.

E, olha, que vacilão, acabou o remédio da pressão. O Losartana que tomo assim que acordo.

Tem jeito não.

Terei que me dar ao trabalho de bater a pé até a farmácia mais próxima de casa.

Recorrerei ao velho e bom guarda-chuva.

Melhor encarar.

Vou que vou no passinho miúdo.

Passo na padaria para um rápido café.

Uma boa surpresa quando paro na faixa de pedestres: os senhores motoristas educadamente param seus nobres veículos para eu e mais dois cruzarem até o outro lado da rua.

Nem tudo está perdido, penso comigo.

Alguns minutos depois chego à farmácia.

No caminho, reparei que o ponto de ônibus estava lotado. Uns aguardavam a chuva passar, creio. Outros, olhos atentos ao movimento dos coletivos que chegavam, motores bufando, e saíam.

Mal consegui passar entre a turma que estava por ali, sob a tímida aba do abrigo de alumínio

Já fui bom nisso.

Enfrentei muitos salseiros como esse quando era garotão. Morava no Ipiranga, estudava na Cidade Universitária e trabalhava, à tarde, no Jardim Moreira, periferia de Guarulhos.

8 busões.

É mole? Ou quer que mexa?

Não reclamava.

Havia um sonho no horizonte.

Volto.

Caminho diante do banco onde tenho conta. Lamento que não esteja aberto. Poderia antecipar os pagamentos do dia 10, conversar com a gerente da minha conta, saber os limites da vermelhidão do meu saldo.

A grana cada vez mais curta.

O mês cada vez mais longo.

Olaiá.

Passo pela parada – e agora reparo que está quase vazia. Só há uma garota por ali sentada em um dos assentos de aço sob a cobertura.

Ela sequer se move com o ir-e-vir dos coletivos.

Está encolhida envolta no grosso casaco de lã, cabeça curvada, o rosto encharcado de lágrimas.

Tem uns 20 anos, se tanto. Pouco mais, pouco menos.

Sente a minha aproximação, ergue a cabeça, olha e, tenho certeza, ruminando seus dilemas, não me vê.

Tenho o impulso de lhe fazer companhia ali.

Tentar uma conversa. Confortá-la.

Por vezes, me imagino o oráculo do mundo só porque tenho sessenta e quase todos os anos.

Que tolo que sou.

Sigo em frente.

Recupero de memória uma frase que me é rotineira:

“A única pressa que hoje tenho é de chegar em casa.”

Mas, reconheço, a aflição da moça passou a ser minha também.

Qual será o motivo?

Um caso de doença na família?

Algum desconforto momentâneo, queda de pressão, coisa assim?

O amor que se foi?

(Mas é tão jovem, logo outro baterá à porta.)

Ou…

O que é mais provável, aquele que assola a milhões de brasileiros, especialmente nossa linda juventude…

Falo do desemprego, da falta de perspectiva, do cotidiano que engole a chance de um amanhã promissor.

Fico pensando.

Como seria se fosse: se hoje eu tivesse 20, 30 anos e me deparasse com o desafio de construir uma carreira neste país estraçalhado por governantes toscos, desumanos, que menosprezam a Educação, apostam em armas, no ódio e no retrocesso?

Muito provavelmente estaria como a moça, sentado à beira do caminho, sujeito a chuvas e trovoadas. Sem perspectivas, sem amparo social, sem a chance de semear o próprio futuro. Sem ilusões.

É, meus caros, tenha a idade que tiver, acreditem: é impossível viver sem um sonho bom, um sonho solidário. Que é nosso, sim; mas, deles (os jovens) e de todos, principalmente.

 

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