Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

Cinqüenta e muitos

Vamos lá…

Adivinhem de quem é este depoimento?

— Entendo a arte como a expressão social de uma época…

Estamos num dia qualquer de 1977. Eu e o amigo Clóvis Naconecy de Souza ainda não sabemos se vamos ou não entrevistá-lo. Harumi, a assessora de imprensa da Warner, fala que a agenda do cantor/compositor (ops, uma dica) está todinha lotada naquele dia. Poderíamos voltar amanhã e assim participaríamos da "coletiva" para os pequenos e médios jornais. Hoje, só emissoras de rádio e de TV, além dos jornalões.

— (…) Então você tem que dar uma de Nero, ficar tocando uma harpa e cantando o que está acontecendo. Pois é nesse cantar que as coisas se torcem. Você passa a refletir o momento histórico que está vivendo. Mas sem entrar em particularidades políticas, essas coisas. Nada disso. Sempre trato das coisas num campo metafísico, filosófico e antológico. Um ponto-de-vista meu, da vida. Só isso…

Insistimos. Mas, ao que parece, nos abalamos em vão da Mooca até a rua Álvaro Guimarães em Pinheiros, onde fica sede da gravadora. Que pena.

— (…) Quando vim para o Rio, não foi para ser cantor. Foi para editar um tratado de filosofia pela Civilização Brasileira. Sou formado e professor em Filosofia. Mas, como lançar um livro é um negócio extremamente difícil, um círculo bem restrito: acabou não dando certo. Vi que a coisa era muito reduzida, tipo público de teatro, então resolvi fazer a mesma coisa por meio de música, por meio do disco. Porque disco, sim, é uma coisa muito mais incisiva. Um meio muito mais rápido, do qual passei a me utilizar para dizer o que pretendo, para deixar minha impressão digital nesse mundo. Para minha razão de viver ou não, entende! Afinal, estou aqui fazendo o quê? Tracei uma meta, e tenho que ir até o fim…

Estávamos entregando os pontos, quando o tal aparece na ante-sala da assessoria,. Cumprimenta a todos. Simpático, pergunta quem somos e o que fazemos ali.

— (…) Aprendi muito lá (na CBS), cara. Que escola! Era produtor de discos. Trabalhei com todo aquele pessoal do final da Jovem Guarda: Jerry Adriani, Wanderléia, Renato e Seus Blue Caps. O Roberto (Carlos), que é um cara incrível…

Prontamente nos identificamos. Tínhamos um jornal. Jornal da Mooca. Queríamos entrevistá-lo. Mas…

— (…) Aí pintou o festival. O Sérgio Sampaio tinha inscrito o “Eu Quero Botar O Meu Bloco Na Rua”, e eu entrei com “Let Me Sing” e “Eu Sou Eu, Nikuda É O Diabo”. Foi o último festival. Outra loucura: um festival nacional, e eu cantando em inglês, misturando Luiz Gonzaga, rock. O Walter Franco com aquela “Cabeça, Cabeça, Cabeça…”, lembra…

Um sorriso largo rasgou o rosto magro e ossudo. Pois então, o que estávamos esperando, ele disse.

— (…) Eu sou de 45, do pós-guerra. Nasci quando a bomba estava caindo em Hiroshima. Sou da “Geração Sanduíche”, devo me adaptar aos surfistas de hoje e ao que pensa meu pai… Uma barra violentíssima…

Lá fomos nós entrevistar — já adivinharam?– o mago Raul Seixas. Pobre do repórter do Estadão, esperou um tempão até que nossa conversa terminasse. A Harumi, amiga que revi recentemente num evento, tratou de convencer o jornalista a ter paciência. Raul era assim. Imprevisível – e generoso.

A entrevista foi publicada originalmente no Jornal da Mooca, semanário que eu, o Clóvis e o saudoso Ismael Fernandes tocávamos com sonhos e anseios próprios de quem tem vinte e poucos anos.

Hoje me bateu uma saudades daquelas. Dos tempos idos e vividos. De todo esse pessoal. Uma certa nostalgia. Doce, suave, própria de quem tem cinqüenta e muitos anos.

* Um link, como dizem hoje. A íntegra da entrevista publiquei também no livro Às Margens Plácidas do Ipiranga, postado aí ao lado.

Verified by ExactMetrics