Lembro o Doutor Ulysses quando se lançou à Presidência do Brasil em 1973. Era uma candidatura de protesto do então líder da Oposição. Não havia como ganhar em uma eleição indireta, com um Colégio Eleitoral franca e obrigatoriamente favorável ao escolhido pelos generais de plantão.
Vivíamos um período ditatorial – e o general Ernesto Geisel saiu-se vitorioso e sucedeu o então presidente, general Emílio Garrastazu Médici, de triste lembrança.
Em seu discurso de candidato, o Doutor Ulysses tornou popular a citação do general romano Pompeu:
“Navegar é preciso; viver não é preciso”.
A frase era mesmo emblemática. Revelava o sentido daquela candidatura fadada a não vingar.
No entanto, trazia em si o significado de que a luta continuava – e a esperança se renovava.
Houve uma comoção nos segmentos mais progressistas da sociedade. Até porque alguns relutavam em aprovar a iniciativa do líder do então MDB, o partido de Oposição consentido pelos ditadores. Diziam que essa empreitada só referendava o regime vigente.
Mas, as palavras ditas pelo Doutor Ulysses repercutiram internacionalmente. Até pela polêmica que causaram. Quem seria o verdadeiro autor da frase? O poeta Fernando Pessoa já a havia usado em um poema:
“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
Navegar é preciso; viver não é preciso.
Quero para mim o espírito desta frase
Transformada a forma para a casar como eu sou (…)”
Também o compositor Caetano Veloso fizera uso da mesma na letra do fado “Os Argonautas”, lançado em 1969.
“Navegar é preciso; viver não é preciso”.
Foi mesmo um momento histórico, emblemático para toda uma geração. Um postulado existencial. Quem tem mais de cinquenta e tantos sabe bem o que estou falando…
Hoje, num dos tantos cruzamentos desta Pauliceia Desvairada, transito caótico, vejo passar pelo carro um desses vendedores ambulantes que trabalham nos semáforos. Entre as tantas engenhocas que vendia, destaca-se uma vareta cumprida em sua mão. É o chamado pau de selfie.
A bem da verdade, nada disso me impressiona. O que me chama a atenção é o inventivo grito de guerra do rapaz:
“Vamos lá pessoal. Olha o pau de selfie. Vamos fotografar. Vamos compartilhar. Vamos postar. Como diria o poeta, postar é preciso; viver não é preciso”.
É.
Os tempos mudaram…