Da janela do apartamento no primeiro andar do pequeno prédio em forma de caixote, o olhar embaçado da velha senhora acompanha os passos do filho em direção ao automóvel.
Manhã de sábado de um dia que se anunciou ensolarado, mas que o cinza predomina no céu da cidade. Mãe e filho cumpriram o ritual de conversarem ao pé do bule de café, como de há muito não faziam.
Atarefado pela lida diária na Universidade, o filho acorda todos os dias com a sensação de estar atrasado para “não sabe o quê, não sabe onde”.
Hoje fez diferente.
Tem apenas um compromisso banal a satisfazer, pode se dar ao luxo de breve atraso.
Por isso se deu ao direito de ouvir a mãe, de conversar com a mãe.
Ela falou das Olimpíadas no Rio de Janeiro…
— O dia inteiro o rádio e a TV (ela mais escuta do que vê) só falaram nisso.
da novela do Manoel Carlos…
— É sempre a mesma coisa.
e, entre outras coisas, das filhas distantes:
— Daqui a pouco elas me telefonam. Para dizer que tudo está bem.
Além do que, fez a recomendação de praxe:
— Não fala para ninguém que tomamos quase um bule de café. Vão falar que eu não me cuido da pressão alta, do colesterol…
Agora, antes de colocar o carro em movimento, o homem se faz menino ao ver a senhora prestes a completar 85 anos, com os olhos depauperados por uma irreversível degeneração da retina. Deixa os segundos correrem vazios diante daquela imagem. Sente-se uma pessoa abençoada por ainda, aos cinquenta e tantos, desfrutar desse carinho infinito.
Gostaria de ficar por ali um tempo sem fim.
Mas, lembra-se logo.
Se não sair dali rapidinho, vai tocar o celular. Com a inevitável pergunta, desde os tempos de garoto, quando chegava na velha casa da rua Muniz de Souza e a mãe desconfiava que algo não estava nos conformes:
— O que é? Aconteceu alguma coisa? Fiquei preocupada…
FOTO NO BLOG: Nova York/arquivo pessoal