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Crônicas de Viagens – Cascia

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Fotos: Arquivo Pessoal

11 – Tio Neno e a santinha

Uma surpresa saúda a chegada dos peregrinos em CASCIA. É uma manhã fria de inverno na Umbria, Itália.

Das montanhas que circundam a modesta igreja de Santa Margherita salta um aristocrático arco-íris que se põe espontaneamente a emoldurar os céus. Auréola de fé e esperança a contemplar as orações dos devotos de Santa Rita de Cássia, a santa das causas impossíveis.

Para nós, desinformados brasileiros, uma novidade saber que Rita é diminutivo de Margherita.

Não sei onde ouvi, escrevi e saudei São Judas Tadeu como “o santo das causas impossíveis”.

Um equívoco que corrijo agora e, como aval, tomo o testemunho do guia religioso que nos recebe na visita à humilde casa onde viveu a santa.

São Judas Tadeu é, justiça seja feita, “o santo das causas desesperadas”.

Ficam, pois, “as impossíveis” sob a tutela de Santa Rita – o que, convenhamos: na hora do vamos ver, dá na mesma. Especialmente em tempos sombrios, o melhor é clamar por ambos – e até a todos os santos a depender da situação, convenhamos.

Não programei a estada em Cascia por algum motivo especial, cumprimento de promessa ou coisa que o valha.

Ao fazer o roteiro da viagem à Itália, não pensei duas vezes.

Foi, digamos, no impulso.

Cascia é pouca mais do que uma aldeia de 4 mil habitantes, se tanto.

A basílica de Margherita é tudo (e o suficiente) o que ali se tem para ver.

Impressiona ver o corpo da santinha incorrupto ainda hoje exposto ao público sob uma cúpula de vidro.

Ela morreu em 1457.

Muitos reconhecem neste fenômeno outro dos tantos e tamanhos milagres da santa.

Ficamos um dia e meio por ali.

Andamos por suas ladeiras – e eu, particularmente, aproveitei para lembrar o meu Tio Neno, devoto incondicional da santinha.

Senta que lá vem história – e história de família…

Ainda relativamente jovem, o tio alcançou alguma graça e, como paga, comprou uma imagem de Santa Rita, dessas que se vê nas igrejas. Grandes, tamanho quase natural. Improvisou um altar sobre o tampo da cômoda em que guardava as camisas em seu quarto – e ali, vez ou outra, todos da família faziam suas orações.

Eu era garoto – e desde então tinha essa tendência a ficar imaginando coisas.

Por isso aquela peregrinação ao quarto do tio me deixava um tanto encafifado, entre o encantado e o perplexo. Algo assustado também. Havia sempre uma vela queimando em louvor da santa.

Preciso lhe dizer que, antes de ali se instalar o pretenso altar, eu gostava de entrar naquele aposento para bisbilhotar a coleção de ternos elegantes e gravatas de seda que o tio possuía.

Esperava o Neno sair, e ia lá mexer nas suas coisas.

Tio Neno andava sempre nos trinques.

Gostava de ir aos cinemas, a exposições, essas atividades culturais… Sempre no estilo. Impecável.

Tudo aquilo me encantava.

Pensava que, no futuro, também teria a minha coleção de costumes, comprados em A Exposição ou na Garbo.

As gravatas não me seduziam tanto, mas os paletós de lãzinha e tweed eram meus prediletos.

Depois que colocaram a santinha por ali, perdi a privacidade naquele espaço.

Passou a ser um lugar sagrado, quase paroquial.

Vira e mexe, a mãe, a tia, as irmãs, as primas vinham rezar e pedir proteção.

Até a vó Ignês, que não era tão carola assim, vez ou outra, fazia uma oraçãozinha por ali.

Nas horas dos apuros no Grupo Escolar Oscar Thompson, confesso que também me socorria da Santa para me salvar de uma eventual reprovação

Ufa! Ela nunca me faltou…

Desde então dedico a ela uma sincera devoção.

À Santa Rita, aliás, peço todos os dias. Por mim, por minha família e por nós.

Que a ELA interceda pela alma do Tio Neno e de todos os familiares e amigos que já se foram.

E que continue a nos guiar e guardar… Agora e sempre. Amém!

Desconfio que essa era a música preferida do Tio Neno, nascido Domingos André Avezzani.

* Inspirado em crônica publicada originalmente em 22.05.2018

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