Fotos: Arquivo Pessoal
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48 – No Trem das Cores
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Desconfio que seja influência das manhãs geladas que me surpreendem ao escrever esses relatos de viagens.
Acho que já fui mais resistente ao frio.
A verdade é que, enquanto ando pelo apartamento feito um robô de tanta rigidez nos ossos e músculos, acabo por me lembrar de outro rigoroso dia de inverno.
E fico instado, mesmo que tardiamente, a esclarecer uma dúvida.
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Estávamos no trem que nos levaria a SAN SEBASTIAN, linda cidade turística na Baía de Biscaia entre as montanhas do instigante País Basco espanhol.
A cidade é conhecida pela beleza de suas praias, a cordialidade de sua gente e, sobretudo, por ser o endereço mais procurado da gastronomia contemporânea.
Dizem que é um reduto de chefs inovadores e talentosos que lá se estabelecem vindos dos mais diversos pontos do planeta.
Miam…Miam…Miam…
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Voltemos à nossa historiazinha…
Faz alguns muitos anos.
Por estar mal agasalhado, pelo desconforto do vagão de segunda classe, pela paisagem de chumbo que víamos pelas janelas, pelo cansaço natural dos viajantes… Por tudo isso, e mais algumas aflições que agora não me ocorrem, a viagem me parecia interminável, e impiedosa.
Havia até a probabilidade de uma nevasca a nos surpreender em meio às montanhas que, fomos avisados, faria o comboio esperar por horas e horas numa pequena estação aos pés dos Pireneus.
Sou por natureza um cético.
Assim me preparei para o pior.
Mas, não tive lá muito tempo para as habituais lamentações.
Numa das paradas, vi o vagão em que viajava ser invadido por jovens (deveriam ter 20 anos, se tanto) que logo deram uma atmosfera toda especial e ruidosa ao espaço.
Menos mal, de tédio não pude reclamar.
Roupas coloridas, cabeleiras no estilo, sorriso nos rostos corados pelas rajadas de vento.
A linda vitalidade dos que ousam sonhar.
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Com eles, estava um rapagão mais vivido (aí por volta dos 40 e tantos) com uma batuta na mão – e, me pareceu, no comando da trupe.
Logo ordenou que a rapaziada fizesse silêncio e se pusesse de pé entre a fileira dos bancos.
Que todos olhassem para o tal.
Todos a postos. Só então movimentou a batuta no ar e a galerinha se pôs a cantar lindas canções do folclore basco.
Que agradável surpresa!
Ficamos encantados.
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O tempo passou ligeiro.
A neve, ao que me consta, entendeu que, inspirada pelos cantantes, poderia continuar a despencar do céu, mas em ritmo adequado – e, assim não causaria nenhum estrago mais drástico àquele inesquecível naco do mundo.
A meninada formava um coral que participaria de um festival de música em algum canto daqueles quadrantes.
Feliz coincidência.
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Hoje essas cenas me parecem parte de um sonho.
O maestro, assim que soube que éramos brasileiros, veio conversar com a gente.
Adorava nossa música.
Conhecia e admirava, nossos artistas. Tom Jobim, Ben Jor, Gilberto Gil, Elis Regina, Hermeto, Caetano Veloso, entre outros.
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Aliás, sobre Caetano, o jovem maestro tinha uma inconfidência a nos fazer.
Foi exatamente este mesmo trajeto que inspirou o baiano a compor a insinuante Trem das Cores.
Só que Caetano fez o percurso numa ensolarada primavera, quando as paisagens são belíssimas – e o destino era Paris.
Marotamente, o maestro me disse que, naqueles dias, Caetano não viajava só. Estava acompanhado de uma jovem atriz, a exuberante Sônia Braga, que, na verdade, foi sua musa inspiradora bem mais que as montanhas, as paisagens e o trem.
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Não levei em consideração a parolagem do homem.
Naquele dia, vou ser sincero, nem sequer considerei o papo de romance.
Que conversinha?
Quer saber de Caetano mais do que eu? – pensei.
Ainda não havia a disseminação das famigeradas fake news, mas a turminha sempre foi chegada a uma trolagem. Seja entre as montanhas da Espanha, seja em qualquer lugar do Planeta.
Concordam?
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Hoje, no entanto, bateu uma pontinha de picante curiosidade.
Tantos anos se passaram, será?
Enfim…
Procurei o disco Cores e Nomes nos meus guardados.
Foi lançado em 1982.
Abro o encarte e lá está, encimando o poema/letra da dita canção, a dedicatória, sutil e elegante:
‘Para Sônia’
Eita!
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* Publicado em 06/08/2019
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