Engraçado.
Não sei se acontece algo
parecido com vocês…
Mas, a vida faz mais sentido
toda vez que leio o que escrevo…
Não me tomem por imodesto.
Vou tentar lhes explicar.
É que, enquanto vivemos
aquele momento, reparem!,
rara vezes temos a noção
exata da sua grandeza.
Depois de um certo tempo,
sim, parece cair a ficha e
aí nos lembramos com
gosto encantado daqueles
dias principescos…
Querem um exemplo?
Uma vez, estava ao volante.
Olhei para o espelho retrovisor
que estava desalinhado e refletiu
parte da minha testa e os meus
cabelos embranquecidos.
Fui tomado por uma sensação
que me levou ao mais antigo
dos anos. Me vi garoto a pentear
os cabelos grisalhos do meu avô
Carlito. Ele havia me dado um
um jogo de barbeiro de brinquedo,
com alguns apetrechos como pente,
escova, tesoura (sem corte, óbvio)
maquina, pincel de barba, vidrinhos
de loções, essas coisas…
Naquele instante, ele se prestava
ao, segundo me disse, honroso papel
de ser meu primeiro freguês.
Indiferente a tudo e a todos,
o avô se deliciava também em
me ensinar a cantar um linda
canção que assim dizia:
“Eu não quero outra vida
Pescando no rio de Jereré.
Tem peixe grande.
Tem siri batola a dar com o pé.
Quando no terreiro faz noite de luar
E a saudade vem me atormentar
Eu me vingo dela
Tocando viola de papo pro ar"
Outro dia, ouvi a canção
numa novela de época.
Na cena, o ator cantarolava
os versos de Joubert Carvalho e
Olegário Mariano ao ritmo suave
da cadeira de balanço.
Voz grossa, olhos cerrados,
paletó de pijama. Tinha lá
o jeito bonito do meu avô…
Me bateu uma saudade, gente,
que, longe de me atormentar,
me deu a certeza do amor
do velho por mim e pela vida
que tão bem soube viver…