"Trato é trato".
Assim dizia o meu avô Carlito que fazia chapéus na fábrica Ramenzzoni, ali na esquina da rua Lavapés com a Scuvero, dentro dos limites da República Federativa do Cambuci.
Isto posto – e sei lá porque lembrei do meu avô -, vamos à terceira parte dos relatos sobre os debates eleitorais na TV brasileira. Trato é trato…
Ops…
Antes de narrar o episódio de hoje (Collor vs. Lula em 89) quero fazer uma referência que, assim como chupinhamos a fórmula dos festivais de MPB dos anos 60 do eterno Festival de San Remo na Itália, também demos uma copiadinha no formato de debates entre presidenciais do histórico confronto Kennedy e Nixon, pela Presidência dos Estados Unidos em 1960.
Há quem diga que o tom despojado e elegante de Kennedy lhe garantiu a vitória diante de um Nixon acabrunhado, um tanto troncho e, diria, entristecido.
Esse debate marca o início da chamada era dos políticos telegênicos. No Brasil, o primeiro a tirar proveito – e como! – da TV foi mesmo o então desconhecido governador das Alagoas, Fernando Collor, quase 30 anos depois.
II.
Há toda uma história que o mito Collor foi projetado pela mídia – especialmente, pela Rede Globo – assustada com a possibilidade de um de seus dois desafetos chegarem ao poder. Quem eram? O caudilho Leonel Brizola e o ‘sapo barbudo’ Luiz Inácio Lula da Silva. Brizola, inclusive, havia dito e redito que o primeiro ato de seu Governo, em Brasília, seria rever a concessão de algumas emissoras de TV que estavam "a serviço do imperialismo".
Os outros dois candidatos, de peso, Ulysses Guimarães e Mário Covas também não inspiravam lá muita confiança na família Marinho.
À parte as mazelas da Teoria da Conspiração, o certo é que Collor ganhou projeção nacional ao participar de um programa de aniversário de Chacrinha e depois refestelou-se em um Globo Repórter em que se disseminou a alcunha de "caçador de marajás".
Daí para frente, a história, todos conhecem…
III.
É inevitável. A conversa foi parar em debate eleitoral na TV? Então, prepare-se, mais cedo ou mais tarde, vamos desaguar no pega de 89 entre Lula e Collor. E aí os ânimos esquentam…
O que aconteceu?
Segundo os índices das pesquisas de intenção de voto, os candidatos estavam próximos na semana que antecedeu as eleições, realizadas no domingo, dia 17 de dezembro. Collor e Lula se enfrentaram na quinta, dia 14. Um pool de quatro emissoras de TV (Globo, SBT, Bandeirantes e Manchete) transmitiu simultaneamente o debate que encerraria a campanha eleitoral para decidir o segundo turno.
Foi um embate renhido, com acusações mútuas; mais de Collor em relação a Lula.
Os próprios petistas reconheceram depois que Lula estava desconfortável, com ar cansado e hesitante. Muitos compararam a um jogo de futebol. Collor venceu por dois a um, três a um…
IV.
No dia seguinte, porém, o Jornal Nacional fez uma resenha do encontro absolutamente parcial. Mostrou Collor confiante, determinado. Lula, ao contrario. Cabisbaixo, inseguro, sem saber para onde ir.
Quem assistisse apenas ao Jornal Nacional e ousasse emitir um palpite, usando a metáfora do futebol, não teria dúvidas. Collor: 8 x 0. Só no primeiro tempo.
V.
Se essa edição interferiu ou não no resultado final das eleições de 89, nunca se saberá. Foi uma semana trash para Lula aquela – e as que vem pela frente. Por isso, é bem provável que eu volte ao assunto dia desses…
De resto, lembro que o horário político recomeça hoje. Mas, eu e você, caro leitor, merecemos uma trégüa. É feriado, Dia das Crianças e de Nossa Senhora Aparecida. De quebra, aniversário da dona Yolanda, minha mãe, filha do chapeleiro Carlito, aquele que começou o texto e que o encerraria agora com a célebre recomendação:
— Olha, não se meta a fazer cortesia com o chapéu alheio…
E, para dar um toque de modernidade e graça, o bom Carlito arrepiaria uma frase que a moçada de hoje consagrou, sempre que surge uma bola dividida:
— Piccino, me inclua fora dessa…